Os fatos, as ideias, os pensamentos, as invenções, todos podem ser narrados de diferentes maneiras, cabendo a nós, do outro lado, dar-lhes uma determinada versão. A versão pode ser a "oficial", aquela que em sua propagação encontrou vários lugares para se alojar e se manter por ressonâncias; mas também pode haver uma subversão, que não só questiona a "oficial" como aponta para outras possibilidades. E este é o objetivo deste livro: pensar as organizações, as instituições que elas engendram e os dispositivos que lhes servem de apoio, não em seu aspecto formal, mas adotando como perspectiva a leitura de microprocessos que, mesmo quando não relevados, contaminam e condicionam a versão oficial. As organizações, a partir de Guattari, são pensadas aqui como máquinas (que em nada se assemelham à mecânica), conectadas a outras máquinas (técnicas, sociais, econômicas, políticas) que expressam, em seu modo de funcionamento, os agenciamentos que lhes serviram de tessitura.
Para essa reflexão, a autora toma como referência a análise de alguns aspectos do dispositivo Estatuto da Criança e do Adolescente que, por não serem trabalhados como redes, acabam por naturalizar situações consideradas excepcionais, legitimando o que, por seus princípios, deveriam evitar; ademais, avalia os efeitos desses processos na organização judiciária, questionando, principalmente, o papel do desejo enquanto potencial de mutação e de invenção de outras formas de viver – a dimensão ética que tudo isso envolve.