Este livro versa sobre o fenômeno da violência sexual cometida contra meninas. Esse tipo de violência é compreendido a partir das hierarquizações de gênero e subalternização dos sujeitos, por conseguinte, é legitimada em uma lógica patriarcal e excludente que mantem o poder do homem adulto sobre os demais sujeitos. O que é proposto em Infâncias Precárias, como estratégia para compreensão da violência sexual contra meninas, foi investigar quais são as concepções de gênero e de infância que colocam em funcionamento o dispositivo da sexualidade e, de certa forma, norteiam tais atos de subalternização, violência e violação dos corpos. Para isso, recorre-se aos campos teóricos-metodológicos da Epistemologia Feminista, a partir das contribuições das teóricas de gênero: Judith Butler, Heleieth Saffioti, Donna Haraway e Guacira Lopes Louro; e também a autora dialoga com aspectos teóricos-metodológicos da Micro-História, especificamente, acerca da análise dos processos-crime. Esta metodologia é uma forma de investigação que utiliza os processos ou inquéritos como fonte de análises dos estereótipos, valores, crenças, e repetições encontradas nos depoimentos. Em Infâncias Precárias são analisados inquéritos policiais instaurados na Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso da cidade de Rondonópolis/MT. Foram localizados 358 inquéritos policiais de crimes de estupros cometidos por homens contra crianças e adolescentes no período compreendido entre 2010 e 2017 e, posteriormente, foram selecionados 20 inquéritos policiais de violência sexual cometida contra meninas para a realização da pesquisa. A partir do corpus documental analisado, a autora denuncia que a maioria dos agressores são homens heterossexuais casados e que mantêm vínculos afetivos-familiares com as vítimas e que por outro lado, a violência sexual atinge majoritariamente as meninas ainda na infância, dentre 8 e 11 anos de idade. Através das análises dos depoimentos das meninas-vítimas, de seus familiares e de seus agressores sexuais, evidencia-se as relações de poder estabelecidas, as hierarquizações de gênero, o processo de objetificação e abjetificação dos corpos dessas meninas, a subalternização da infância e a lógica do adultocentrismo e a culpabilização das vítimas. Os depoimentos dos agressores, ao darem corpo a um discurso de culpabilização das meninas, buscam afirmar que, a despeito da idade que elas tenham, elas não são mais meninas e que não são vítimas legítimas que mereçam ser protegidas. É possível concluir que essas violências ocorrem em função de um dispositivo de gênero estruturado a partir do patriarcado “machocrata” arraigado na sociedade brasileira.