É comum ouvirmos frases contraditórias sobre a hanseníase. Alguns até acham que a doença não existe mais. Ao mesmo tempo em que entendemos a hanseníase como uma doença milenar, atrelada a um forte estigma, sabemos também que é uma doença curável. Esta dualidade tem convivido por algumas décadas desde a implantação de um tratamento eficiente através da utilização da poliquimioterapia (PQT) pela Organização Mundial da Saúde.
Eventualmente ainda ouvimos ou lemos o termo lepra e seus derivados no Brasil. Às vezes é dito de forma pejorativa e discriminatória por alguns e às vezes por descuido. De qualquer forma ainda estigmatiza muito os pacientes.
Milhões de pessoas afetadas pela hanseníase foram curadas com a PQT e as incapacidades relacionadas à doença pareciam estar com os dias contatos. Não obstante o desconhecimento de vários aspectos da sua história natural, a impossibilidade do cultivo dos agentes etiológicos em meios artificiais, e a enorme dificuldade para a elaboração de uma vacina, a confiança na PQT trouxe uma esperança global de um mundo livre de hanseníase.
Modelos estatísticos e estudos de tendências nos confortaram com a informação de que a hanseníase desapareceria em algumas décadas. A demasiada esperança na "eliminação" da hanseníase não demorou para mostrar efeitos colaterais: o desinteresse e o desinvestimento. Apesar de incansáveis esforços realizados por grupos de profissionais e da sociedade civil, carecemos de maior interesse da academia em estudar e se dedicar a essa doença negligenciada e que aflige tantas pessoas, de mais apoio e investimentos em pesquisa, desenvolvimento e disponibilização de novas ferramentas que ajudem no diagnóstico precoce, da busca por novos fármacos e de maiores avanços no conhecimento da doença.
Após 40 anos de implantação da PQT, vemos um cenário muito diferente daquele que imaginávamos nos tempos da euforia pela "eliminação", e hoje enfrentamos
diversos problemas. De um lado, o número de "casos" de resistência medicamentosa
que parecem surgir com mais frequência, o grande número de pessoas
com incapacidades no momento do diagnóstico, sendo muitas delas menores de
15 anos de idade; e do outro, o número reduzido de profissionais capacitados para
diagnosticar e manejar a doença e suas consequências.
Agradecemos imensamente o esforço conjunto dos profissionais de diversas
áreas do conhecimento que contribuíram para este projeto que resultou em 26
capítulos sobre o tema hanseníase. Temos a esperança de que este livro auxilie na
divulgação do conhecimento e ajude a melhorar o panorama da hanseníase no
Brasil e no mundo.