Impossível iniciar esta escrita sem manifestar a honra de ter sido convidado para produzir o prefácio desta produção literária e de ter a oportunidade de lê-la em primeira mão. Roque Junior, escritor, poeta, amigo, companheiro de militância no Fórum Gaúcho de Saúde Mental, casado com Martha Santos, tio, nos convoca, em sua obra, a apreciar e sentir o estado "bipoliterário", como descreve em um dos trechos do livro. Forjado a ferro e fogo no movimento estudantil, Roque Junior compartilha conosco um pouco de sua história de vida e de militância, hoje nos movimentos que lutam por melhorias e garantias de direitos humanos para a Saúde Mental. O autor escreve sobre sua trajetória e contribuições nesse campo como integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, movimento social que completou seus 30 anos em 2021, assim como nos grupos de ajuda e suporte mútuos e, também, como representante do estado do Rio Grande do Sul na Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - RENILA. Sem perder a ternura, nos presenteia com aspectos de seu cotidiano, sua experiência e gratificação como escritor e na vida com sua companheira. Convida outros poetas e escritores a estarem compondo a teia sensível que é tecida neste livro. Com um estilo singular de escrita, nos provoca a pensar sobre questões como a medicalização da vida e os usos (para o bem e para o mal) de diagnósticos psiquiátricos, questões muitas vezes tomadas como naturalizadas e banalizadas no campo da Saúde Mental. Coloca em questão o "problema" da bipolaridade, ao mesmo tempo em que enfatiza a questão da normose, que insiste em tachar e colonizar o pensamento e os nossos corpos, e o quanto percebe a sua potência literária como algo que poucas pessoas possuem, até mesmo aquelas consideradas "normais" pelo autor. Em alguns trechos, ao fim do livro, problematiza a catástrofe humanitária que vivemos com a pandemia de COVID-19 e as implicações no mundo e no Brasil, com destaque aos efeitos na Saúde Mental da coletividade e à má condução do enfrentamento à pandemia pelo Estado brasileiro. Tal temática também é abordada nos trechos que relatam a denúncia do Fórum Gaúcho de Saúde Mental sobre os surtos de COVID-19 nos hospitais psiquiátricos do estado do Rio Grande do Sul, que evidenciaram a política vigente, na qual algumas vidas são menos importantes que outras e as pessoas institucionalizadas nos manicômios são consideradas, pelo Estado brasileiro, vidas matáveis. Em tempos de inúmeros retrocessos nas políticas públicas em geral e nas políticas de Saúde Mental que vivemos recentemente no país, Roque Junior não abre mão daquilo que nos é direito; não basta somente não retrocedermos, é preciso avançar por uma sociedade sem manicômios, não somente o físico, mas em todas as suas formas, seja na relação hierárquica entre profissionais e usuários ou nas Comunidades Terapêuticas, que recebem inúmeras, frequentes e sucessivas denúncias de violações de direitos humanos no Brasil todo. Roque expressa, em seus escritos, os avanços e as conquistas da Reforma Psiquiátrica Brasileira em si mesmo e em todos nós, como sociedade. Enfatiza que saúde e educação não são e não podem ser mercadorias. Ao abordar temas difíceis e sensíveis, ou temas cotidianos de sua vida (e igualmente sensíveis) a escrita de Roque Junior nos dá esperanças. São preciosas pílulas de afeto, luta e sensibilidade com as quais o autor nos presenteia, como quando aponta pistas que indicam que um outro mundo possível não será simplesmente descoberto, e sim construído. A importância do cuidado humanizado e o avanço da Reforma Psiquiátrica é um desses caminhos. É preciso avançar, nos escreve Roque Junior, para transformar a realidade. E são os usuários da Saúde Mental que o autor aponta como um dos principais modificadores de realidades.