Niels Henrik David Bohr (1885-1962) é uma das figuras centrais de revolução científica do século XX. Desde 1920 até sua morte ocupou o cargo de diretor do Instituto de Física Teórica da Universidade de Copenhague, que se tornou um centro mundial de referência no estudo dos fenômenos atômicos. Por seus trabalhos nessa área, especialmente a criação de seu modelo para o átomo em 1913, recebeu o Prêmio Nobel em 1922.
Bohr pertenceu à geração de físicos que renovou radicalmente os fundamentos da sua ciência, abrindo caminho para uma nova forma de compreender a natureza. Com a teoria quântica, que ajudou decisivamente a criar, a constante universal descoberta por Max Planck deixou de ser um elemento estranho e deveras incômodo no edifício da física, doravante marcada pela descrição descontínua de processos fundamentais; a estabilidade da estrutura atômica, incompreensível em termos clássicos, foi finalmente entendida; iluminou-se o caminho da física nuclear; a tabela periódica dos elementos, proposta em 1869 por Dimitri Mendeleev, ganhou uma base teórica; a física e a química se fundiram num só campo de conhecimento; os termos do debate sobre a propagação de ondas e partículas, bem como sobre a constituição da matéria, foram completamente redefinidos, admitindo-se a complementaridade das duas descrições; reconheceu-se a existência de um limite inultrapassável na precisão com que se podem conhecer certas grandezas físicas associadas.
Principal liderança na defesa da interpretação ortodoxa da mecânica quântica, Bohr entendeu rapidamente que inovações tão perturbadoras teriam grande impacto sobre o esforço de conhecimento em todas as áreas. Tornou-se então uma figura de vanguarda na revisão dos fundamentos filosóficos da física e, por extensão, da ciência. Percebeu que a impossibilidade de separar o observador e o objeto na física atômica recolocava em questão o estatuto do próprio ato de conhecer, tal como definido na tradição clássica ocidental, e viu que essa discussão interessava diretamente outras ciências, inclusive as humanas. Defendeu que, ao fazer uma experiência, o físico escolhe certa ""linguagem"", e que as diferentes ""linguagens"" possíveis são complementares entre si, portanto necessárias, inexistindo um ponto de vista geral a partir do qual se possa vislumbrar a totalidade do real. Debruçou-se sobre o desafio da biologia, que usa inteiramente a física e a química, mas não pode reduzir-se a elas, necessitando de conceitos próprios, que expressam certo finalismo, estranho a essas duas outras ciências mais básicas.
Os ensaios aqui reunidos, publicados em português pela primeira vez, abordam nas palavras de Bohr, ""essa lição epistemológica que nos foi dada pelo moderno desenvolvimento da física atômica e sua importância para a análise e a síntese em muitos campos do conhecimento humano"". O volume inclui também a narrativa de Bohr a respeito de seu longo debate com Einstein sobre os rumos da física, um dos mais importantes da história da ciência.
César Benjamin"