Neste livro, Eugênio Bucci, professor titular da ECA-USP, dialoga com o pensamento de Hanah Arendt para refletir sobre o impacto da desinformação sobre o debate público. Depois de constatar que a mentira é tão antiga quanto a linguagem – e, portanto, tão antiga quanto a humanidade –, o autor sustenta que as fake news (notícias fraudulentas), que, simulando ser um relato elaborado em redações profissionais ou uma opinião fundamentada, enganam maliciosamente, constituem um tipo mutante de tapeação, forjado em escala industrial, que corrói os alicerces racionais da cultura democrática e, como vírus, produz disfunções, por assim dizer, nos circuitos neuronais da política. A imprensa e as bibliotecas públicas, entre outras instituições incumbidas historicamente de mediar o debate público e a circulação das ideias, estão sob ameaça.
O autor recorre, então, a um texto que a filósofa Hannah Arendt lançou nos anos 70, “Verdade e Política”, traz de lá o conceito de verdade factual e demonstra que, sem a verdade objetiva e verificável dos fatos, não é concebível a ideia de política e não é viável o projeto da democracia. Eugênio Bucci recupera ainda, o estatuto dessa categoria, os fatos, em obras capitais do pensamento político – de Aristóteles a Max Weber, passando por Maquiavel – para constatar que toda ação política os tem como referência incontornável.
O que acontece, então, quando os fatos deixam de ser a referência da política? Pode haver democracia aí? Ou apenas fanatismo?
Em seu trecho talvez mais original, o livro afirma que duas estratégias contemporâneas concorrem para a interdição do conhecimento dos fatos. A primeira, designada de “apagões de real”, é produzida pela triangulação entre capital, tecnologia e poder, e bloqueia o acesso ao vivido por meio de uma avalanche de dados e imagens eletrônicas. A representação digital assume, assim, o lugar da experiência real. A segunda estratégia de interdição dos fatos seria o “suicídio de consciência”, em que os próprios sujeitos se recusam a conhecer os fatos que contradizem suas crenças passionais.
Com essas proposições, o livro “Por que a democracia não existe sem a verdade factual?” (baseado em duas conferências apresentadas por ele em duas edições do Ciclo Mutações, coordenado por Adauto Novaes) vai despertar a atenção das inteligências interessadas na qualidade das decisões políticas e no papel que a comunicação social desempenha aí.¨
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