É precisamente sobre o modo de trazer a singularidade à reflexão teórica psicanalítica que Ronaldo Manzi se debruça nas páginas desse livro, através de um esforço bem alinhavado de investigar o sentido do recurso a analogias na elaboração metapsicológica e o estatuto paradigmático que certos casos possuem no interior dessa própria forma discursiva. E é interessante notar que tal projeto se inicie já com uma espécie de apresentação de caso, um peculiar caso clínico-literário, se tal expressão fizer algum sentido: o caso Bartleby. A ideia não é a de tentar conceber a estrutura psicopatológica de um personagem, buscando impor ao relato literário um raciocínio clínico. É o oposto que se passa aqui: trata-se de indagar a racionalidade clínica a partir da singularidade trazida pela narrativa literária. O que há de distintivo nessa singularidade e que a torna absolutamente relevante é o fato de ser uma singularidade qualquer. E esse é o ponto central da contribuição de Manzi à discussão epistemológica sobre o caso clínico em psicanálise, que apresentamos muito esquematicamente acima: há uma irredutibilidade radical do caso que é tomado como exemplar, pois sua força como exemplo decorre justamente não se deixar subsumir completamente nos polos opositivos da particularidade e da universalidade. Ou seja, ali onde certa compreensão epistemológica estaria disposta a colocar o caso como ocorrência particular de uma generalização que se pretende universal, Manzi ressalta, seguindo Agamben, que para a psicanálise um caso só pode ser exemplar em sua singularidade. (Herivelto P. Souza)