As guerras religiosas que ensaguentaram a europa nos séculos xvi e xvii levaram à criação dos estados absolutistas, instâncias soberanas neutras em relação aos grupos em conflito, encarregadas exclusivamente de manter a paz. Separam-se moral, remetida à vida privada, e política, doravante submetida à razão de estado. Depois de obter êxito, impondo uma pacificação relativa dentro dos territórios estatais, esse arranjo começa a perder legitimidade. Progressivamente, o absolutismo deixa de ser considerado o garantidor da paz e passa a ser o inimigo da liberdade. O mundo burguês começa a articular um espaço político próprio, a sociedade civil, que vê a si mesma como um poder moral em oposição ao poder político absoluto. Essa dialética mina os fundamentos do status quo. A revolução francesa de 1789 abre uma época nova, que produz uma gigantesca inovação conceitual: a filosofia da história. Até então, existiam "histórias" no plural ? a história de uma cidade, a história de uma guerra ?, referidas a fenômenos específicos, cuja rememoração subordinava-se ao ideal pedagógico expresso por cícero: a história como mestra da vida. Era preciso conhecer o passado para aprender com ele, pois as situações se repetiam, conservando, no essencial, a mesma estrutura e sentido. Aparece agora o conceito moderno de história. A vida dos homens passa a ser compreendida como um único grande processo estendido no tempo ? um tempo especificamente histórico, diferente tanto da cronologia natural como da religiosa. Novas teorias pretendem apreender o passado, o presente e o futuro como uma totalidade dotada de sentido, que engloba e unifica as histórias particulares. Propõe-se uma ordem sequencial para a diversidade cultural que a expansão ultramarina havia revelado aos europeus, situando diacronicamente aquilo que aparecia sincronicamente. E se, agora, o futuro é algo a ser construído, não há mais lugar para a contingência: ele é mera projeção dos desígnios do presente. No centro do novo pensamento está a ideia de progresso. A obra de reinhart koselleck (1923-2003) revê os fundamentos dessas inovações conceituais decisivas da modernidade. Em vez de um tempo linear, propõe um tempo estratificado, que rompe a alternativa entre sincronia e diacronia. Diz que a filosofia da história combina de modo peculiar voluntarismo e objetividade, pois a ideia de uma "marcha objetiva da história" é um artifício da vontade. Mostra que a memória coletiva está sujeita a quebras que produzem esquecimento, de modo que todo ganho de experiência corresponde, também, a uma perda. Recupera as noções de contingência e de imprevisibilidade, pois os planos humanos e sua execução necessariamente se dissociam, de modo que previsão e realização nunca coincidem. Depois de crítica e crise e futuro passado: contribuição á semântica dos tempos históricos, a contraponto e a editora da puc-rio apresentam ao leitor de língua portuguesa esta nova obra-prima de reinhart koselleck, um historiador fundamental para se conhecer o presente. César benjamin.