O desafio crítico proposto por Analice Martins, no livro Entremeios: ensaios sobre Literatura, Cinema e Comunicação, vai muito além da superficial polarização entre local e global, e a sua proposta interpretativa parece-me bem mais arriscada e estimulante: interpretar a contemporaneidade literária brasileira como um objeto complexo, que remexe nos escombros do projeto de modernização do Brasil, um país que em 50 anos passou de uma sociedade agrária para uma sociedade pós-industrial, a partir dos não lugares que esse brutal processo transformou em palcos de tensões, em (não) lugares de passagem suspensos entre arcaicidade e modernidade.
Além dos ensaios sobre Literatura, há outros interessantíssimos que se debruçam sobre o Cinema internacional e sobre as obras mais representativas de alguns cineastas – Loach, Frears, Burman – que, nesses últimos anos, têm mostrado de uma maneira problematizadora a questão das diferenças culturais e as estratégias de resistência das minorias em um mundo só autoritariamente globalizado. Mas é na seção "Conexões" que a autora sai da sala de cinema para entrar na sala de aula e encarar uma série de problemas nevrálgicos de caráter pedagógico que nenhum docente de Literatura do século XXI pode ignorar, sem correr o risco de desistir dos benefícios dos Estudos Culturais, de desperdiçar o diálogo enriquecedor com outras linguagens artísticas ou de menosprezar as práticas literárias não canônicas da contemporaneidade que mais dizem respeito aos alunos de hoje.
Professor doutor Giorgio de Marchis
Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas
Estrangeiras da Università degli Studi Roma Tre