A realidade, por definição, é aquilo que resiste ao sujeito. Resiste, pois, ao conhecimento. Pode-se adotar como um postulado da epistemologia o caráter sempre inacabado do conhecimento. O ato de conhecer nunca é pleno, pois o erro não pode ser totalmente eliminado. Somos obrigados a trabalhar com aproximações, mesmo nas ciências ditas exatas. O problema da medida é subjacente a todo o percurso dessas ciências, pois, num certo nível de precisão, o rendimento de um método experimental até então excelente acabará por diminuir.
São esses os pontos de partida adotados por Gaston Bachelard para escrever este ""Ensaio sobre o conhecimento aproximado"", sua tese de doutoramento, que tenta compreender, antes de tudo, como se dá essa retificação incessante do pensamento diante do real.
Bachelard anuncia que seu objetivo é ""acompanhar o conhecimento em sua tarefa de refinamento, precisão e busca de clareza"". Na primeira parte, examina como os detalhes se acumulam ao longo de uma descrição, como as qualidades se ordenam para chegar a uma classificação objetiva. Depois, mostra o papel fundamental do conhecimento aproximado, tanto nas ciências experimentais (nas quais o processo de aproximação é necessariamente finito) como nas matemáticas (nas quais a aproximação pode ser infinita). Prepara assim a discussão final, sobre o próprio estatuto da verdade: ""Uma filosofia do inexato"", ele diz, ""pode propor um novo sentido aos conceitos de realidade e de verdade.""
Se o que é imediato não coincide com o que é fundamental, o conhecimento tem de ser uma construção sempre aproximada. A aproximação é uma objetivação inacabada, mas prudente e racional, consciente, ao mesmo tempo, de sua insuficiência e de seu progresso. É assim o processo do pensamento, quando fecundo. Um pensamento fechado, apoiado apenas em si, sem lugar para erro, tentativa e ambiguidade, só poderá exibir uma perfeição frágil. Realizado com facilidade, paga o preço da irrealidade. ""Por todos esses motivos"", diz Bachelard, ""decidimos considerar o conhecimento em seu fluxo. (...) O conhecimento em movimento é um modo de criação contínua. O antigo explica o novo e o assimila. E vice-versa: o novo reforça o antigo e o reorganiza.""
De Gaston Bachelard, a Contraponto já publicou ""A formação do espírito científico"", sua reconhecida obra-prima, formadora de várias gerações de pensadores. Com este ""Ensaio..."", também em magnífica tradução de Estela dos Santos Abreu, a editora prossegue a edição em português dos textos epistemológicos mais importantes do filósofo francês.
César Benjamin"