Vencedor dos principais prêmios literários do país, Cristovão Tezza lança uma nova edição de Ensaio da paixão, romance de sua juventude, inspirado nos anos em que fez parte de uma comunidade de teatro, e uma sociedade alternativa, lideradada pelo escritor e dramaturgo W. Rio Apa.
Antes de se tornar o renomado romancista, cronista e crítico que é hoje, Cristovão Tezza, durante os anos de 1968 a 1976, fez parte de uma comunidade de teatro, no litoral do Paraná, liderada pelo escritor, dramaturgo e teatrólogo W. Rio Apa (1925-2016). Da rica experiência comunitária, de onde se firmou o seu fascínio pelo mundo artístico e literário, nasceu Ensaio da paixão, romance com fortes traços autobiográficos, lançado originalmente em 1986, e que agora ganha uma nova edição revista pelo autor.
A partir de sua vivência pessoal, Tezza elaborou uma narrativa ficcional e satírica, ambientada nos anos de chumbo da ditadura militar. O romance conta a história de um grupo peculiar – composto por habitantes de uma ilha isolada na região sul do Brasil, a Ilha da Paixão –, que se reúne em torno de um único objetivo: encenar a Paixão de Cristo. Apesar dos choques entre as personalidades de seus integrantes, o excêntrico grupo se prepara para ensaiar e produzir a peça de maneira espontânea, sem seguir nenhum roteiro ao pé da letra, ao mesmo tempo em que gozam da liberdade que a ilha proporciona. Contudo, são vistos pelas autoridades repressoras do país como um grupo subversivo e uma forte ameaça à ordem vigente.
Neste romance de sua juventude, Tezza usa o realismo mágico – traço marcante da literatura da época – combinado ao humor explícito, de ritmo acelerado, para dar um exemplo de como funcionavam as comunidades alternativas dos anos 1970 e de como elas eram vistas pelo Estado. A ilha, a formação de um grupo em prol de algo maior que ele próprio, a repressão exercida por um governo autoritário: todos os elementos compõem uma saborosa alegoria de nosso país. Em Ensaio da Paixão, o autor parece compreender, de forma quase catártica, o impacto que seu período na comunidade de Rio Apa teve em sua vida pregressa, quando era apenas um jovem revolucionário e transgressor radical do "sistema", e na sua vida presente, como escritor e literato renomado.
Em um posfácio inédito, escrito especialmente para esta edição, o autor avalia as diferenças culturais entre o momento atual e a época de sua juventude, iluminando certos aspectos do livro. Mas, diferenças à parte, Cristovão Tezza continua o mesmo rebelde de sempre: "[A literatura] é uma experiência pessoal destinada não a ensinar o que o autor sabe, mas para ele mesmo descobrir, pela escrita, o que ainda não sabe, e eventualmente partilhar com o leitor. É uma atividade de risco, um ato de existência e um território livre; ela tem de ser um território livre para fazer sentido."