Em mais de três décadas de vida, eu jamais tive fé. Cheguei a frequentar uma igreja protestante durante a minha adolescência, acompanhando os meus pais nas celebrações de domingo. Porém, eu fazia isso de maneira automática e descompromissada, sem de fato servir a Deus. Comparecia aos cultos simplesmente porque não tinha a opção de ficar sozinho em casa. Na transição para a idade adulta, no momento em que me tornei mais independente, por assim dizer, deixei de marcar presença nos cultos dominicais. Foi um processo natural, que não despertou qualquer tensão entre eu e os meus pais; era como se, de certa forma, eles já esperassem por isso. Assim, Seu Mário e Dona Maria continuaram sua caminhada de fé e eu abandonei a igreja. Nos anos seguintes, as coisas pioraram bastante, já que eu não me sentia satisfeito apenas em ignorar o Criador, em não servi-lo. Comecei a flertar com um ateísmo militante, o qual me fazia enxergar as pessoas religiosas como criaturas ingênuas que compartilhavam a crença em um delírio que chamavam de Deus. Essa postura descrente e arrogante me levou a escrever textos blasfemos, sarcásticos e repletos de desprezo contra tudo e contra todos, os quais deram origem a dois livros de crônicas: Serpente – 60 botes certeiros e Mãe, eu sou a má companhia. Era como se eu estivesse tentando, através das considerações que fazia contra a fé, acompanhadas de pílulas de soberba, levar os que confiavam em Deus a perderem essa confiança, a se tornarem ateus como eu. Assinei esses livros como "Mário Lourenço", já que o patronímico "Evangelista" me constrangia, pois tudo o que eu não queria ser era um evangelista. O flerte com o ateísmo se transformou em um namoro sério numa época em que estive perto de ser engolido pelo alcoolismo. Foram tempos sombrios, nos quais eu misturava bebidas alcoólicas com medicamentos psicotrópicos, numa espiral de autodestruição que só chegou ao fim na noite em que, dirigindo embriagado, sofri um acidente automobilístico do qual eu mal me lembro, mas que me abalou o suficiente para me fazer tomar a decisão de encerrar o meu relacionamento com o álcool antes que ele se tornasse uma doença. No entanto, por outro lado, a minha falta de fé e a minha malquerença por aqueles que acreditavam em Deus permaneceram inabaláveis. Meu coração estava cada vez mais empedernido. Eu achava que Deus, caso realmente existisse, nos devia um pedido de desculpas e precisava mais de nós do que nós d Ele. Até que chegou o ano de 2022 e as minhas certezas foram viradas de ponta-cabeça. O medo da morte, ensejado pela pandemia de covid-19, que já assolava o mundo há mais de um ano, juntamente ao infarto sofrido por meu pai e aos ataques de pânico que trituraram a minha alma, mastigando-a, jogando-a de um lado para o outro sem que eu nada pudesse fazer para evitá-los, levaram-me a perceber a minha miséria espiritual e, por conseguinte, o quanto eu precisava de Deus. O sujeito que ria das pessoas religiosas, por achá-las simplórias, clamou por socorro a Nossa Senhora. De repente, antes mesmo que pudesse entender a metanoia pela qual estava passando, se viu rezando o Santo Terço todos os dias. E, apesar de todas as blasfêmias que proferira do alto da sua arrogância ao longo de boa parte da sua existência, ou seja, mesmo sem merecer, ele foi ouvido prontamente; a Mãe Santíssima intercedeu por ele e o conduziu até os braços de Jesus Cristo. "Este infeliz gritou a Deus e foi ouvido!" (Salmo 34,7). Queimei os últimos exemplares de Serpente – 60 botes certeiros e de Mãe, eu sou a má companhia, que deixaram de ser motivo de orgulho e passaram a ser motivo de vergonha para mim. Ao fazer isso, senti um peso enorme saindo das minhas costas, uma sensação de alívio indescritível. Além disso, aqui assino "Mário Evangelista" sem pensar duas vezes; agora não abro mão do meu patronímico de jeito nenhum.