Do mundo de Herberto Helder ensina: 'A luta é dolorosa desde sempre/ antes de Homero escrever/ cantar que a luta é dolorosa' (Maffei, Vista de Olímpia, 2016). Aceite o ensaio como gênero impuro (Goulart), no limiar do poema, sem estabelecer dependência de qualquer lei de gênero (Silvina Rodrigues Lopes), enquanto acadêmico e ensaísta, Luis Maffei não teme interrogar a hipótese de haver uma pedagogia da poesia em geral e da herbertiana em particular, sabendo que ensinar literatura é já um paradoxo. Leitor incendiado por dentro do fogo que a faca não corta, Maffei coloca-se no centro da ferida-Herberto – quem será este tipo? quem será este texto? –, em combate e embate frontal com o poema, puro e duro, em cópula. Resultado do trabalho de mais de década e meia de investigação, este livro participa da lição (e é dela réplica, também sísmica) de Camões e de Herberto-leitor-de-Camões, conforme à metamorfose do amador em que se transforma o leitor na coisa lida. Em pathos e patologia partilhada com raros ensaístas que pertencem à comunidade aflitiva que lê A poesia portuguesa hoje (Gastão Cruz), Luis Maffei é, dos da sua geração, um dos mais antigos, informados e potentes leitores da atualidade, sujeito forte em diálogo revolto e desobediente com parte do cânone da literatura portuguesa, que se refaz com a sua leitura. A concepção eminentemente atual do poema (Ruy Belo, Na senda da poesia) herbertiana é, pela leitura de Maffei, expandida a um programa: o exercício de um poder que atende pelo nome arriscado de liberdade. A luta é dolorosa e a poesia não salva. E, no entanto, há raros leitores como Maffei (um dos ensaístas vivos que me interessa mais), que criam uma zona de liberdade transitável. Este lugar (em que é livre também ser contaminado) é lição a ser aceite por quem ler 'os livros atrás a arder para toda a eternidade'.