"A decisão de escrever este livro partiu de um profundo incômodo que sinto
em relação a algumas posturas hermenêuticas restritivas da autonomia privada no
âmbito do Direito das Sucessões, sempre invocando o direito fundamental de herança
como substrato legal para se restringir a liberdade de disposição do titular do
patrimônio. Assim ocorre com a possibilidade de renúncia prévia, por cônjuges e
companheiros, ao direito concorrencial do art. 1.829, incisos I e II, acoimada de nula
por suposta infração ao art. 426 do CC/2002, dispositivo que só se refere à herança e
não a todo e qualquer direito sucessório.
(...)
Em outros termos, quando a favor do autor da sucessão, a interpretação é
sempre restritiva, todas as normas são de ordem pública, todos os direitos são
indisponíveis, e a liberdade de dispor está sempre posta em numerus clausus. Mas
quando se trata de favorecer o herdeiro legitimário, a interpretação é a mais ampla
possível, protegendo até mesmo personagens não eleitas pelo legislador.
Promove-se, assim, uma interpretação ideológica e parcial do direito de
herança, apenas sob a ótica do herdeiro legítimo, passando-se por cima do fato
inegável de que esse direito fundamental tem por sujeitos tanto os herdeiros legítimos
e testamentários, como o autor da sucessão. Como consectário, e ao mesmo tempo
garantia de proteção do direito de propriedade, é possível sustentar que o sujeito do
direito de herança é, com muito mais razão, o titular do patrimônio do que o sucessor.
É sobre isso que me proponho a refletir nos capítulos que se seguirão, para
concluir, em cada um deles, sugerindo uma nova abordagem na interpretação e
aplicação do direito fundamental de herança".
Mário Luiz Delgado