O estudo foi estruturado de forma brilhante e estratégica.
Cuidou, em primeiro lugar, da misoginia patriarcal que tem reservado às mulheres, historicamente, papéis sociais subalternos,
valendo-se do conceito de gênero, que, desde meados do século XX, tem sido poderoso instrumental para desvelar as intrincadas artimanhas do patriarcado na manutenção masculina no poder.
A autora apresenta o feminismo enquanto movimento social, político e teórico fruto da tomada de consciência por parte das
mulheres enquanto coletivo humano subordinado, discriminado e oprimido pelo coletivo de homens no patriarcado.
É a teoria feminista do direito que permite a compreensão do sexismo no direito, presente nas leis, na jurisprudência e na doutrina. Permite a compreensão da criminalização do aborto na sua relação com o controle patriarcal masculino da sexualidade e da reprodução das mulheres.
Sua tese defende que na correlação entre o direito fundamental à vida e o aborto há o dever de descriminalização do aborto no Brasil e apresenta quatro hipóteses: o direito à vida não é absoluto e deve ser ressignificado à luz do direito à vida das mulheres; o direito à vida deve ser compreendido à luz dos direitos constitucionais, tais como a liberdade, privacidade, autonomia, saúde e dignidade da pessoa humana; a criminalização do aborto é manifestação de um direito patriarcal e sexista que tem por objetivo controlar a sexualidade e os corpos das mulheres; há criminalização primária do aborto pelo Código Penal de 1940, entretanto sendo débil a criminalização secundária, não há efetiva proteção da vida por nascer.
É grande a contribuição deste livro ao pensamento jurídico crítico brasileiro, apresentando ideias de grandes juristas como Dworkin e Ferrajoli; apresentando de forma interdisciplinar ideias da antropologia, da psicologia, da psicanálise, da filosofia, do
direito, da moral e da ética.
Tão simplesmente, desejo uma profícua leitura aos leitores.
Silvia Pimentel