A diáspora venezuelana trata-se de um fenômeno engendrado pela conjugação de mudanças na conjuntura internacional e por uma dupla crise interna de natureza política e econômica que se estruturou ao longo da década de 2010, tendo como repercussão um rápido êxodo internacional de mais de 10% da população até o ano de 2020, quando as fronteiras internacionais se fecharam em função da difusão multilateral da pandemia da Covid-19 no globo. O deslocamento venezuelano para o exterior seguiu dois padrões de concentração espacial quanto aos destinos, tanto de natureza Norte-Sul, com um menor volume de fluxos, quanto Sul-Sul, com forte densificação dos fluxos de imigrantes e refugiados. Esta dispersão aconteceu em função dos venezuelanos com maior renda se direcionarem por meio aéreo para a América do Norte (padrão Norte Sul) em contraposição ao deslocamento terrestre dos venezuelanos com menor renda para países vizinhos na América do Sul (padrão Sul-Sul). Não é por acaso que o Brasil, por meio do estado de Roraima como fronteira imediata em relação à Venezuela, se tornou no quinto maior epicentro de destino dos fluxos de imigrantes e refugiados, o que requereu uma resposta por parte do Governo Federal, a Operação Acolhida, para lidar com os complexos dilemas que emergiram no eixo terrestre dos deslocamentos, desde o município roraimense de Pacaraima (linha de fronteira), passando pela capital do estado, Boa Vista (faixa de fronteira), até se chegar à capital do estado do Amazonas, Manaus (maior centro econômico da Amazônia). A justificativa para o desenvolvimento do presente livro fundamenta-se não apenas na relevância para se estudar este fenômeno de significativa escala empírica, mas também para se preencher uma lacuna científica, oportunizado assim discussões e novos conhecimentos sobre o sistema de governança da Operação Acolhida, os quais vão além das tradicionais análises dos impactos da imigração em Roraima, o menor estado da federação, com apenas 600 mil habitantes. Uma vez que os deslocamentos imigratórios venezuelanos em direção à Roraima geraram transformações radicais na paisagem sociocultural do estado, em especial dos municípios de Pacaraima e Boa Vista, um forte fluxo de capital humano de novos atores (OIs, ONGs e movimentos religiosos), também surgiu em resposta à Operação Acolhida e aos fluxos de capital que foram direcionados principalmente pelo Governo Federal. No contexto institucional de uma "Indústria da Migração" lubrificada por recusos financeiros internacionais e do governo federal (Operação Acolhida), foi consolidado em Roraima um campo de poder permeado por dinâmicas de cooperação e conflito entre militares, OIs e ONGS, no qual as entidades religiosas possuem participação fundamental na prestação de serviços humanitários, mas que é desconhecido ou mesmo recebe pouca voz pela opinião pública.