"Conte-me uma história", ordena um homem armado ao narrador do conto que dá título a este livro. Invasão de domicílio, um revólver carregado, ameaças – tudo isso, se pensarmos bem, parece hoje bastante trivial. Menos o pedido inesperado, com jeito de súplica infantil. Quem afinal se dá ao trabalho de roubar uma história? Aliás, histórias podem ser roubadas? E desde quando contá-las é uma questão de vida ou morte?
Absurdo, sem dúvida. Como o leitor logo percebe, porém, nos contos de Etgar Keret o disparate é a norma e as fantasias mais improváveis contêm sempre um grão duro de verdade. Seus personagens dirigem de olhos fechados, imaginando em voz alta as vidas que gostariam de ter levado; levam chutes na canela desferidos por mentiras que eles mesmos inventaram; passam anos casados com alguém que encontraram apenas uma vez, no dia da cerimônia, e nunca mais. Em resumo, são contadores de histórias cujos destinos acompanham o desenrolar de suas fabulações.
Celebrado como o grande renovador da literatura israelense neste início de século, Keret tornou-se um autor de renome mundial escrevendo contos que fogem às expectativas usuais em torno de uma região com tantos conflitos. Há um evidente prazer da escrita e da invenção conduzindo suas histórias, que se aproximam com frequência do fantástico e do nonsense. De maneira inesperada, porém, essas incursões pelo extraordinário revelam aspectos novos de um mundo que parecia já mapeado. O delírio torna-se uma forma de lucidez, o absurdo dá a medida do real, contar uma história pode ser a melhor maneira de evitar um tiro na cabeça.