Sófia Tolstói foi uma escritora e diarista russa, reconhecida por seu papel fundamental na preservação e documentação da obra de seu marido, o célebre escritor Lev Tolstói. Além de ser sua companheira por quase meio século, Sofia Tolstói deixou um legado literário próprio, explorando temas como o casamento, a condição feminina e as dificuldades da vida intelectual na Rússia do século XIX. Sua novela "Quem é o culpado?" oferece uma perspectiva única sobre o universo tolstoiano e a sociedade russa da época.
"De Quem é a Culpa?" (Чья вина?), escrito em 1892 por Sofia Tolstoi, é uma novela que dialoga diretamente com "Sonata a Kreutzer" (Крейцерова соната), publicada por Tolstói em 1889. Ambas as obras giram em torno do casamento, do amor e dos conflitos conjugais, mas sob perspectivas radicalmente diferentes.
Na novela de Tolstói, o protagonista Pozdnichev relata o assassinato de sua esposa, motivado por ciúmes e pelo desgosto com a vida conjugal. A obra reflete a fase ascética do autor, marcada pela condenação do desejo sexual e pela visão do casamento como uma instituição opressora e corrompida. Esse retrato, porém, carregava uma forte visão masculina e moralista, na qual a mulher frequentemente aparecia como fonte de tentação e desgraça.
Foi justamente essa abordagem que levou Sofia Tolstaia a escrever "De Quem é a Culpa?". Sentindo-se pessoalmente atingida pelas ideias do marido e vendo nelas ecos dos próprios dissabores de seu casamento, Sofia decidiu oferecer o ponto de vista feminino. Sua novela revela a outra face da vida a dois: o cotidiano sufocante e a anulação da individualidade da mulher, muitas vezes reduzida ao papel de esposa e mãe, sem espaço para suas ambições ou desejos próprios. A protagonista de Sofia Tolstaia não é uma mulher adúltera ou sedutora, mas alguém que sofre com a indiferença e o autoritarismo do marido. A narrativa expõe como a infelicidade no casamento não é fruto apenas da fraqueza moral da mulher, como sugeria Tolstói, mas sim de uma estrutura social que aprisiona e submete as mulheres às vontades dos homens.
A pergunta que dá título à obra – "De quem é a culpa?" – ecoa como uma provocação. A culpa estaria na mulher que não se contenta com seu papel tradicional ou no homem que a trata como um objeto? Ou seria o próprio casamento, moldado por regras injustas, o verdadeiro responsável por tantas tragédias íntimas?
Embora tenha sido pouco difundida em sua época, a novela de Sofia Tolstaia foi resgatada posteriormente, tornando-se um valioso testemunho das tensões de gênero no século XIX e das dores silenciosas que permeavam os lares burgueses. Lida hoje, "De Quem é a Culpa?" se impõe como uma obra sensível e corajosa, que não apenas responde à visão masculina de "Sonata a Kreutzer", mas também afirma a voz de uma mulher que, por muito tempo, viveu à sombra do grande escritor, mas que, em suas páginas, reivindicou o direito de existir e sentir por si mesma.