O texto de Elionice Conceição Sacramento é uma narrativa poético-histórica, que nos brinda com uma bibliografia bem articulada, que é utilizada de forma não submissa. Quem nos fala é uma quilombola, mulher negra interseccional por ancestralidade, mulher das águas e da lama, pescadora por tradição, profissão e decisão política. Por sua abordagem inovadora, tanto em seus aspectos metodológicos quanto em relação a suas escolhas epistêmicas, a pesquisa consiste em uma narrativa original, pertinente e muito relevante.
Para além das epistemes, as ameaças cruas que temos vivido colocam em risco a educação democrática, em meio a uma crise epidemiológica mundial que se associa a um retrocesso político autoritário no país e reforça todas as desigualdades sociais já existentes. Tal conjuntura nos coloca em trincheiras de lutas interseccionais, que não podem ser desconsideradas. Elionice e sua comunidade nos lembram que seguiremos lutando epistemicamente, mas também acionando estratégias diversas, como nos ensinam outras grandes mulheres, como: Tuíra Kayapó, que levou seu facão ao rosto do engenheiro da Eletronorte contra as construções de Belo Monte ainda na década de 1980, para que sua voz fosse ouvida; como Sônia Guajajara, que em 518 anos de Brasil foi a primeira indígena a concorrer numa chapa à presidência da república. Também como as quebradeiras de coco que se guiam pelos babaçuais. E como as pescadoras que se orientam pelas marés e que se constituem, não somente nas águas, mas nos mangues e na lama. Com a mestra Elionice Sacramento, aprendi que há lutas em tempos de maré cheia e lutas em tempos de maré baixa. Nesse momento de marés baixas, um exercício importante parece ser o de retornarmos a nossas próprias comunidades e coletividades, reconhecendo formas ancestrais de pensar o coletivo antes do indivíduo, de fazer frente às políticas coloniais de inimizade, de retomar as bases comunitárias, não somente como campo de formação política, mas como nossas próprias raízes.
É hora de unir a mobilização jurídica com ações políticas que valorizem essas iniciativas insurgentes já existentes. Lutemos como essas mulheres, trazidas na escrita de Elionice, por novas narrativas e outras formas de escrever e ler o mundo!