Como é que alguém se prepara para uma longa viagem? Provavelmente faz as malas, verifica a documentação e as passagens, mune-se de um roteiro…ou simplesmente sai à aventura de mãos nos bolsos. Tudo é possível, tal a diversidade dos seres humanos. Mas e se a viagem for interior? Nesse caso as malas não lhe servem de nada, só o vão empatar, documento algum lhe pode dizer qual é a sua verdadeira identidade, a passagem não custa dinheiro, mas atenção não é gratuita, paga-se com esforço…roteiro? Não precisa de o comprar só tem que se lembrar que está dentro de si, melhor, basta recordá-lo. O livro que se prepara para ler é uma dessas viagens. Segue a via oposta a muitos livros de ficção científica. Nestes, fragmentos de saber iniciático ou pseudo-iniciático são utilizados amiúde para dar ambiente às obras, servindo mesmo para justificar ou mesmo salvar um percalço no enredo, como por exemplo a súbita irrupção neste de uma temível ordem salvadora ou maléfica, segundo a melhor conveniência do autor, de feitiços, poderes mágicos, seres sobrenaturais, mutantes etc. Não é este o caso, tecnicamente Qédem pode considerar-se um mosaico iniciático, cuja história, bem contada, lhe serve de veículo. Quer isto dizer que as personagens são secundárias, meros figurantes? Não, nem por sombras, elas são muito importantes, representam os arquétipos da humanidade, são símbolos de pleno direito. Toda uma panóplia de sentimentos, de capacidade e traumas emerge da narrativa, dor, doença, morte, inveja, esperança, cobardia, heroicidade, o melhor e o pior que há em cada ser humano, com os quais muitas vezes só nos deparamos quando a vida nos presenteia com uma situação limite, mas que estão latentes ou expressos em gradação vária, em todos nós.