Para Juliana Falcão, a automutilação é uma forma de escrita que se faz no corpo. Escrita que é, muitas vezes, corte na pele, incisão. Como explica a autora, a palavra cortador – tradução direta do termo cutter, em inglês, que se refere àqueles que se automutilam por meio de cortes – pode ser lida também como corta-dor, incutindo aí a possibilidade de compreensão da automutilação como um meio para diminuir o sofrimento. É o corte que corta a dor, enquanto gesto que inflige dor física para fazer parar a dor psíquica.
É partindo dessa compreensão que Juliana Falcão, em Cortes & Cartas, empreende uma profunda investigação sobre a automutilação, desde suas raízes históricas, que vão de práticas ritualísticas ao contexto dos transtornos mentais, perpassando pela abordagem no campo da psiquiatria, ponto de partida de alguns encaminhamentos de pacientes recebidos pela psicanálise ou pela psicoterapia. Paralela à reflexão teórica, a obra apresenta recortes clínicos da experiência de trabalho da autora no atendimento a adolescentes infratoras que se machucavam em um contexto de privação de liberdade no Distrito Federal.
Ainda, para além da abordagem clínica da automutilação, a autora se lança na análise de produções artísticas relacionadas ao tema, como o filme de Peter Greenaway, O livro de cabeceira, e ainda as chamadas escritas de si – diários, escritos autobiográficos – e sua importante relação com a clínica psicanalítica.
Os quatro ensaios que compõem a obra Cortes & Cartas, com sua linguagem leve e fluida, convidam à reflexão não somente a leitora e o leitor especializados, mas também todos aqueles interessados no tema da automutilação.
Prof.ª Dr.ª Fabricia Walace Rodrigues
Departamento de Teoria Literária e Literaturas
Universidade de Brasília