Não se trata de escrever os momentos significativos da minha vida (aqueles que constituem as biografias), até porque os sentidos desses momentos já estão dados – a escrita viria apenas depois para, simplesmente, registrá-los. Escrevo aqui os pequenos momentos que me instigam a escrever, e que fazem isso, justamente, por estarem subtraídos de sentidos prévios, ou por terem os seus sentidos colados ao texto; ou seja, os sentidos se fazendo aqui, na escritura. Não se trata de uma escrita sobre a vida de um sujeito, mas de uma escrita que comporta vidas esquartejadas em fragmentos escriturais. Fragmentos fazem o sujeito-autor vacilar, precisamente porque o que consagra a ideia de sujeito é o seu caráter de integralidade, de soberania histórico-cronológica. Trata-se, então, de criar sentido para as coisas. Geralmente, se faz isso de maneira coletiva – parece somente ter legitimidade aquilo que é compartilhado. Mas aqui se trata de criar sentido de maneira quase solitária, para as nuances. Não é o mesmo que mentir (no sentido de se afastar, propositadamente, do fato); pelo contrário, este é um livro de verdades, ainda que sejam de verdades dos instantes, que dizem respeito somente a estes mesmos.