A pesquisa científica é o momento culminante de um processo de extrema amplitude e complexidade pelo qual o homem realiza sua suprema possibilidade existencial, aquela que dá conteúdo à sua essência de animal que conquistou a racionalidade: a possibilidade de dominar a natureza, transformá-la, adaptá-la às suas necessidades. Este processo chama-se conhecimento. [...]
Para compreender e fundamentar o conhecimento, não partimos de um sujeito absoluto, como é o caso do ""eu penso"", simples ideia intemporal, metafísica e de garantia unicamente subjetiva, relativa a um ""eu"" que não é ninguém, que não está em situação no espaço e no tempo, mas do fato histórico, social, objetivo de que ?nós pensamos?.""
Álvaro Vieira Pinto
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Álvaro Vieira Pinto (1909-1987) foi um dos mais completos intelectuais brasileiros. Formado, sucessivamente, em medicina, física e matemática, tornou-se catedrático da Faculdade de Filosofia da então Universidade do Brasil (hoje UFRJ) e ganhou projeção a partir de 1956, quando se juntou ao grupo de fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), cujo Departamento de Filosofia passou a chefiar.
Ali, instalado no centro dos debates do ciclo desenvolvimentista, dedicou-se a pensar filosoficamente os vários modos de pensar o ser nacional a partir da periferia do sistema-mundo. Nação, projeto, trabalho, desenvolvimento, construção de identidades foram temas que permearam sua fecunda reflexão. Exerceu forte influência sobre Paulo Freire, Darcy Ribeiro e outros pensadores do Brasil.
O golpe militar de 1964 levou-o ao exílio no Chile, onde passou a dar aulas nos cursos avançados do Centro Latino-Americano de Demografia (Celade), ligado à Organização das Nações Unidas. Lá, em 1967, escreveu Ciência e existência, uma das suas obras mais importantes.
O conhecimento, ele diz, é uma propriedade da matéria viva, capaz de sentir o ambiente e reagir a ele. Atinge a máxima perfeição quando, no homem, se torna um saber metódico, autorreflexivo e cumulativo, que, por isso, se apresenta como um processo. Ele culmina quando o homem se torna consciente de sua racionalidade e organiza seu uso, seu aperfeiçoamento e sua transmissão, atingindo a capacidade de elaborar conceitos. A reflexão teórica e a experimentação sistemática são atividades do homem no mundo, e a diversidade de métodos constitui um fato empírico, que o pesquisador tem que reconhecer e aceitar.
Tudo isso é parte do modo de adaptação que molda a vida desses seres únicos, os humanos, que produzem sua própria existência e se adaptam ativamente à natureza, pelo ato de adaptá-la a si mesmo. Nada há de transcendental nisso: ""A consciência humana, que será a fonte e o agente da criação científica, inclui-se na continuidade de um processo natural e participa dos traços essenciais que o definem, distinguindo-se apenas pela complexidade que atingiu.""
Vieira Pinto não trata aqui de técnica, mas, como diz o subtítulo do livro, dos problemas filosóficos que cercam a pesquisa científica. Num tempo de granes especializações, é uma reflexão cada vez mais necessária.
Cesar Benjamin
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