Brasília, sonho de linhas retas e céu aberto, foi erguida por mãos anônimas que o tempo quase apagou. Neste estudo, desvelamos o romance Cidade Livre, de João Almino, como canto polifônico onde os candangos, operários da utopia, enfim tomam a palavra. Sob o olhar atento da teoria bakhtiniana, a cidade se revela não como flor de estufa, mas como terreno fértil de vozes sobrepostas, cruzadas, em embate. O livro torna-se espelho da cidade: suas ruas, seus personagens e seus silêncios ecoam na arquitetura literária feita de blogues, memórias, manchetes, afetos. A epopeia oficial se desfaz, cedendo lugar a narrativas profanas, à vida crua do Núcleo Bandeirante, à ética dos que constroem com calos e lembranças. Nesta travessia entre estética e história, buscamos ouvir o que foi calado, nomear o que foi esquecido. Porque talvez, no fim, Brasília seja menos o traço de Niemeyer e mais o rastro de Valdivino. Que o leitor, então, atravesse essas páginas como quem caminha pelas madrugadas da cidade, ouvindo, enfim, as vozes enterradas no concreto.