Cantiga de findar, de Julián Herbert, engrossa um filão literário moderno que já desfruta status de tradição: a narrativa em que se cruzam verdade autobiográfica e ficção pessoal, resultando uma ambiguidade perfeita e insolúvel. O que se passou de fato? E o que não se passou? Nunca saberemos. Assim, na dúvida, a leitura é sempre mais instigante e prazerosa.
Publicado em 2011, o livro fez do autor mexicano um nome internacional, com seguidas traduções, além de lançamento nos demais países de língua espanhola, reconhecimento da crítica e apreço dos prêmios de romance Jaén e Elena Poniatowska (em 2011 e 2012, respectivamente). Nele, conta-se uma dura história.
Guadalupe Chávez, a mãe do narrador, uma mulher que foi bela quando jovem e ganhou a vida como prostituta, está com leucemia, presa a uma cama de hospital. No quarto 101 do Hospital Universitário de Saltillo (Coahuila, México), um homem chamado Julián Herbert – o mesmo nome do autor do livro – cuida de dar banho e de comer à paciente. Ao mesmo tempo escreve quase às escuras num laptop sobre sua mãe. Ela teve cinco maridos e um dia foi "belíssima: baixinha e magra, o cabelo liso caindo até a cintura, o corpo maciço e uns traços indígenas sem-vergonhas e reluzentes".Também descreve a progressão da doença dela até a morte.
Quem narra, na atualidade, é um autor adulto, mais ou menos consagrado, que recebeu prêmios literários e constantemente viaja para participar de festivais em Berlim e Havana. Fica evidente que o narrador compartilha quase todas as coordenadas biográficas de Julián Herbert, o escritor de carne e osso.
Mas a força do texto em Cantiga de findar (Canción de tumba, no original) não reside no seu caráter de testemunho, e sim na sua potência como romance puro e simples. Sobretudo na linguagem utilizada, que nos chega de forma poderosa, barroca, musical, por vezes deselegante mas eficiente.