Invejo quem atravesse todas as madrugadas bem dormindo para, logo em PRETA seguida, compadecer-me dessas pessoas. É que o alongado tempo da vigília, enquanto rouba o bom sono, oferece algo de peculiar lucidez, de inesperada loucura. Não sei se são os fantasmas, ou o silêncio, ou o abandono. Será o sereno? Mas desconfio serem os notívagos e os mal dormidos bons porta-vozes dos tantos caminhos do pensamento. Por isso, descobrir que Patrícia Franz atravessa longas horas cozendo e descosturando pensamentos explicou muita coisa. Como ela mesmo diz, "o relógio que cortava o ponto das minhas felicidades era o mesmo que pagava hora extra aos meus problemas". Dona de uma prosa muito particular, intensa e livre, a autora casa-se muito bem com a crônica e, sem-vergonha, namora com a poesia em linhas esparsas e troca bilhetes secretos com o humor. O produto desses múltiplos amores está cuidadosamente distribuído aqui, em seu primeiro livro autoral. Nas páginas de Caixa Preta, Patrícia propõe um jogo de espelhos para se mostrar ao mesmo tempo em que nos ilude – um desafio constante para leitores em busca de revelações de si próprios. Usa a literatura como um "acerto de contas", como em "A literatura te salvará", crônica-balanço de sua costura de palavras. Apresenta- se "autossuficiente" enquanto professa uma lacuna que nem toda leitura preencherá. Ainda bem!, digo logo. Interessante ela ter escolhido a crônica Caixa Preta para ser, também, o nome do livro. Esse emblemático objeto da aviação costuma ser resgatado para dar explicações sobre o ocorrido quando pouco restou inteiro. Contudo, a "caixa-preta" do texto mais promete acidentes do que soluciona mistérios. Evoca "Ovelhas Negras", de Caio Fernando Abreu, e anuncia outra caixa, a de Pandora, para quem resolve bulir em seu interior. Diz Patrícia: "Tampo a caixa, ainda relutante. Trôpega. Lembro-me, apesar das doses, das essências e das visões, que sua cor contém sigilos que não me pertencem". Mas não tampa, não.