Eu começara a pressentir os efeitos de uma viagem perigosa para dentro de minha mente. E, desta vez, eu estava só. Lembrei-me do Ray Bradbury: A Morte é Uma Transação Solitária. E é. Cada morte, cada coisa que a gente decide enterrar, cada iniciação, decisão, opção, traz em si uma perda. É uma vivência que tem que ser solitária. A gente decide abrir mão de uma situação conhecida para uma coisa nova e, nesta hora, temos que ser absolutamente responsáveis por nossas escolhas. Eu percebia que estava frente a esse impasse.
Enquanto eu andava, emocionado e apreensivo, nutria uma esperança de não encontrar mais aquela casa. Dizia comigo que preferia deixá-la do jeito que eu me recordava. Rever ambientes da infância pode ser decepcionante: há uma troca abrupta de dimensões, um choque de proporções afetivas, um desconserto.
O carro de papai, um Chevrolet preto brilhante, sempre cheirava à chuva. Não sei porquê. Seus assentos, demasiadamente altos e gelados, impediam a visão da rua; principalmente para mim. Que sempre ficava no banco de trás, sentado ao lado de Marilda e tia Nair. As duas eram tão gordas, que eu tinha que ficar com as pernas apertadinhas para elas não me encostarem. Eu tinha verdadeiro nojo das pernas cabeludas da tia. Marilda sabia disso e, de propósito, fingindo-se de incomodada, ia se chegando mais e mais até eu ter que me encostar na perna da tia Nair. Esta, achando que eu era abusado, me batia com o leque de sândalo e, de revanche, eu soltava um pum.