Esta obra é um presente e um convite à transformação das relações étnico-raciais, ainda tão profundamente orientadas pelo racismo. Muito se fala da importância da educação como caminho de emancipação, mas quais aprendizados nossas crianças efetivamente têm tido nas escolas? Essa é uma das questões das quais Cintia Cardoso parte para tecer sua profícua e potente pesquisa.
Um dos privilégios da branquitude é a posição de sempre expor (a negros, indígenas, amarelos, ciganos) e não ser exposta. É precisamente aí que reside um dos brilhantes giros que a autora nos apresenta: se estamos em relações raciais, a quem serve o projeto de alocar em pessoas não brancas o "problema" do racismo? Da inadiável necessidade de quebrar privilegiados silêncios e invisibilidades brancas que a pesquisa se enuncia e costura suas tão generosas contribuições.
O abismo que distancia as teorias e leis antirracistas da prática pedagógica é uma realidade que precisa ser percebida não como exceção, mas como parte da própria lógica da manutenção colonial. As poderosas e sensíveis palavras de Cintia descortinam essas racionalidades (que podem ser mais ou menos silenciosas) e que atuam vigorosamente na atualização do racismo.
O trabalho tem a preciosidade de construir sua perspectiva desde o lugar de quem, como ela mesma partilha conosco, já foi criança negra, é mulher negra e também professora, em uma narrativa que lhe é singular, mas ao mesmo tempo traz vozes coletivas e históricas.
Enquanto tivermos uma educação pautada no branco como sinônimo de universal do humano, teremos a perpetuação do racismo e seus efeitos. Efeitos esses que incidem inclusive nas próprias crianças brancas, que, no paradoxo do privilégio estrutural que marca sua racialidade, também têm seu crescimento psicossocial recortado pela colonialidade. A luta antirracista compõe, portanto, um projeto de bem viver coletivo e o engajamento a ela não deve denotar uma especial benevolência ou favor de profissionais da educação brancos e brancas, mas uma ação ética de reparação histórica.
Sobre essas e tantas outras questões que a escrita firme e amorosa de Cintia nos leva em suas tecelânias engajadas e enraizadas nesse território que é nossa casa e nosso lar.