Este estudo tem como foco a trajetória e a obra do artista Bezerra da Silva. A partir delas busca-se problematizar o cotidiano dos morros cariocas e da Baixada Fluminense nas décadas de 1980 e 1990. Bezerra migrou do Nordeste (Recife) para tentar a sorte na Cidade Maravilhosa, onde viveu no Morro do Cantagalo por mais de 20 anos, instituindo vínculos com os moradores. No Rio de Janeiro enfrentou um cotidiano árduo de trabalho, exercendo diferentes atividades (auxiliar de obras, pintor...). Com persistência, transpôs obstáculos para aprimorar seu dom musical, até realizar o sonho de se tornar músico, atuando em orquestras e angariando contatos que possibilitaram o desenvolvimento da sua carreira como cantor e compositor. Muito criativo, iniciou sua trajetória interpretando cocos para, posteriormente, fazer sucesso com o samba, representando o chamado samba malandro ou de partido-alto. A especificidade da sua obra é que tem um caráter coletivo, as canções que interpretava ou eram de sua autoria (poucas em parceria com outros compositores) ou envolviam compositores (254) que abordavam a temática do cotidiano nos morros, favelas e subúrbios. Ao encarnar a persona de "embaixador dos morros e favelas", Bezerra assumiu o compromisso de ser um cronista dessas experiências, abordando temáticas como violência, tortura policial, injustiças e desigualdades jurídicas, drogas, crimes e criminosos. Essas questões geraram críticas e polêmicas, e sua obra foi caracterizada como "sambandido", sendo visto como defensor de bandidos e até de usuários de drogas, título que ele refutou no decorrer de sua carreira. Bezerra foi incompreendido na sua originalidade, no mote central de expressar e expor as vivências dessas comunidades, de onde surgiam temáticas marcadas por indignação, críticas às carências, violências e desigualdades, bem como pelas ações de resistência emergentes nesses territórios.