O presente trabalho busca contribuir para o estudo teórico-clínico da automutilação na adolescência, investigando a peculiaridade do recurso à escarificação, ato em que o sujeito inflige a si mesmo cortes na superfície de seu corpo. Essa modalidade de automutilação corporal traz à tona a evocação de um sensorial do corpo e a inscrição de uma marca na superfície deste, gerando, assim, uma cicatriz. A autora questiona de que forma a produção dessa marca no corpo se relaciona com a dimensão do traumático, dimensão de especial relevo na experiência subjetiva da adolescência. Pensar a clínica da adolescência, em toda sua multiplicidade, exige do psicanalista ou profissional da saúde mental um grande grau de seriedade, mas também – e sobretudo – de sensibilidade. A presença viva e contínua do analista a partir de uma escuta sensível às adversidades singulares da travessia pela adolescência, como também a tomada de uma postura ativa que implique flexibilidade tanto quanto consistência, serão essenciais para que o adolescente possa significar seus vividos, construindo uma narrativa sobre si. Essa narrativa, inédita quando comparada àquela dos tempos da infância, precisará incluir os diferentes modos de expressão do sofrimento psíquico. Tal processo não será sem ruídos ou desvios, movimentos de retorno ou estagnação, e justamente por se tratar de algo ainda incipiente à nível do processamento psíquico do adolescente, tomará outras vias de expressividade: o corpo sendo a principal delas. Esse livro é uma tentativa teórica de pensar a automutilação na adolescência como um recurso de figurar no corpo aquilo que ainda não ganhou contorno no psiquismo, indo além da psicopatologização simplista dessa prática: a marca corporal como tentativa de inscrição das tensões psíquicas vivenciadas pelo adolescente.