Esta pesquisa foi construída com base em um paralelo entre a produção das epístolas de Sêneca e de Paulo, durante o primeiro século de nossa era. E, na forma de condução da trajetória do gênero epistolar, o discurso constituinte é o elemento determinante: Sêneca se direciona pelos caminhos do discurso filosófico, enquanto Paulo respalda seu texto no discurso religioso.
Como ponto de partida, o leitor terá o apoio de Foucault em suas investigações sobre a escrita de si enquanto ingrediente da receita do cuidado de si, na Antiguidade. Naquele momento histórico, a epistolografia exerce um papel fundamental, funcionando não somente como meio de comunicação entre remetente e destinatário, mas como forma de exposição da subjetividade que se revela pela aquisição dos discursos verdadeiros. Esses discursos manifestam-se no modo de agir do indivíduo, determinando a posição discursiva ocupada pelo ethos na enunciação.
Já os pressupostos da Análise do Discurso, de base enunciativa, na abordagem de Maingueneau e outros pesquisadores, fornecem suporte teórico para as análises. Afinal, na cena genérica da enunciação ocorre a construção do gênero do discurso, e este requer uma cenografia discursiva que o direcione no ato enunciativo, revelando o ethos do enunciador, responsável pelo discurso.
A epístola como gênero, na escrita de Sêneca e Paulo, fornece espaço para que cada um desenvolva suas argumentações, segundo os fundamentos básicos da retórica antiga. Pelos discursos constituintes, filosófico e religioso, esses autores recorrem a determinados tópoi, lugares-comuns, e argumentos retóricos que são desenvolvidos na construção de suas epístolas.
Nas fronteiras dos discursos filosófico, literário e religioso, encontram-se as influências da cultura helenística, que contribuem para aproximação desses discursos constituintes, exercendo um efeito de entrecruzamento e causando o fenômeno do interdiscurso.