a revolta, tal e qual pensada e vivida por aqueles que a realizam, não é nada mais do que fazer a política transitar pelo corpo. estende a política, lhe dá vida e densidade, libera as sensações habitualmente contidas; abre e fende a política – romain huët
em dias intelectualmente miseráveis como os nossos, em que à direita se repete o odioso mantra de tatcher – "there is no alternative" – e à esquerda se aceita sem grande choque ou consternação que as esquerdas morreram, garau demonstra, em anatomia da revolta – temporalidade e destituição, que ser de esquerda é muito mais do que uma afiliação partidária ou certa vaga simpatia pelo que se chama, de maneira meio ridícula, de "setor progressista".
pertencer ao campo político da esquerda radical trata-se de uma experiência muito mais potente, uma forma-de-vida que, sendo comum e mutante, transmuta a si e ao tempo, abrindo-se para o perigo de uma existência sem fundamentos e destituinte.
é assim que os ensaios contidos neste livro, nos quais o autor debate com grandes nomes da filosofia sem qualquer servilismo – marx, benjamin, blanchot, agamben, comitê invisível, etc -, traçam uma rigorosa contra-história das experiências revolucionárias de ontem para apontar a necessidade de superá-las. por mais importantes que tenham sido, não devem ser encaradas como planos objetivos a serem repetidos.
trata-se de não lamentar a "morte da esquerda", mas aproveitá-la para resgatar experiências bem mais radicais do que as partidárias e que sejam capazes de dialogar diretamente com as condições atuais de suposta inultrapassabilidade do capitalismo.
Anatomia da revolta – temporalidade e destituição nos apresenta um rico afresco em que compreendemos que só é possível viver um tempo da revolução quando se revoluciona o tempo e, experimentando-o em nós mesmos, nos abrimos não para o evento grandiloquente e canônico que se espera de forma quase religiosa, e sim para múltiplas, descontínuas e vitais revoltas.