"O ano de 1964 começara assim, com ares doentios e inseguros, como que fraquejando no desenho do contorno de sua realidade. Tempos incertos e nublados. A cidade a ele se descortinava em toda sua extensão, desde o centro às mais distantes periferias, e ainda que se vissem inocentes sorrisos de uma juventude alienada, pairava sobre ela uma incerteza incomodante que fazia com que os homens andassem trôpegos por atalhos não costumeiros, remoendo dúvidas sobre um amanhã não claramente apregoado ou sobre um hoje não bem definido. Alguma coisa estranha parecia inquietá-los durante o caminhar pelos cantos e becos e aquela incerteza os incomodava nas conversas mantidas nas praças. [...] Olhavam de esguelha para os lados suspeitando até de si próprios, importunados por pensamentos que iam e vinham trazendo-lhes maior inquietude. As noites não eram recomendáveis para jornadas prolongadas e a volta mais cedo para casa era como se fosse uma forma de refugiar-se sem saber exatamente de quê. Havia uma espécie de receio pelo que poderia acontecer amanhã ou depois. Carregavam as dificuldades de dias vencidos cuja espiral inflacionária rapidamente consumia o minguado salário antes que o custoso mês acabasse, acompanhadas tão só por uma desbotada esperança de que dias melhores pudessem vir. Nas esquinas e nos bares esticavam conversas descompromissadas, inventavam estórias, contavam piadas velhas, falavam de futebol e de mulheres e iam-se embora aos tropeções depois de gastarem os últimos trocados."