O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão colonial. E quando o fez, em 13 de maio de 1888, sobre este marco histórico, muitas narrativas se espalharam até os dias atuais, comuns entre o povo e nos bancos escolares do ensino médio e fundamental. A primeira é que uma princesa boazinha libertou os escravos e, a segunda, que foi tudo uma mentira, que somos escravos até hoje. Mas, independentemente da narrativa, o fato é que a escravidão e sua herança deixaram marcas na constituição do Estado e da sociedade brasileira, na formação da classe operária, do proletariado e mesmo da burguesia. Portanto, é fundamental e necessário ir além das narrativas superficiais e utilizar o materialismo histórico para conhecer nosso passado e, é claro, compreender e transformar o presente. Para esta reflexão, é imensurável a contribuição e compreensão dos artigos reunidos no ensaio Abdias do Nascimento: quilombola ou capitão-do-mato? ensaios de interpretação marxista sobre a política racialista para o Brasil, do historiador Mário Maestri. Pois, além da apresentação da materialidade dos acontecimentos - diga-se de passagem, como poucos autores fizeram nessa apaixonante discussão – o autor respeita a dialética e a coerência do desenvolvimento dos acontecimentos históricos, em uma impressionante conexão e coerência entre os artigos mais antigos e os mais recentes. Do acalourado debate com o Sr. Abdias Nascimento, em artigo publicado no jornal Em Tempo, em 1982, onde Mário Maestri é claro e objetivo:"O prof. Abdias [aponta], sem dúvida, um caminho para as elites negras. É hoje conhecido acadêmico, professor, escritor, conferencista necessário de todos os encontros africanistas internacionais. Outro caminho seria o do mulato quase gigante [Carlos Marighella], que, há poucos anos deixou - sejam quais forem nossas divergências com sua concepção [de luta] - o seu nome marcado a ferro vivo nos corações da esquerda e das vanguardas populares brasileiras. Um outro caminho, mais sofrido, divergente. Mas quem melhor que ele merece o nome de quilombola!" Ao irretocável artigo "O Marxismo e a Questão Racial: as Cotas", apresentado em Conferência no Plenarinho da UFRGS, onde escreve claramente: "O elemento central dissociativo da proposta racialista é que não propõe a luta pelo fim da exploração, mas a integração equânime e escalonada na sociedade de classe das diversas comunidades étnicas imaginadas que comporiam a nação - européia, africana, ameríncia, etc. Não haveria contradição entre ricos e pobres, explorados e exploradores, se entre os privilegiados houver número proporcional de afro-descendentes. Um negro morando na avenida Carlos Gomes [privilegiada avenida de Porto Alegre] é conquista histórica para os que seguem apanhando da polícia na periferia. Ele aumenta suas auto-estimas e prova que eles também podem chegar lá!" "Consolidaria-se assim no Brasil a visão do liberal-capitalismo yankee que nega ontologicamente a possibilidade da construção de sociedade democrática, fraterna e igualitária, propondo como utopia máxima que as raças e culturas vivam, lado a lado, com seus representantes negociando o direito às mesmas oportunidades formais, no contexto de desigualdade estrutural capitalista, proposta como natural. Visão que põe fim não apenas ao princípio da união dos explorados como ao princípio de comunidade nacional e classista.".