Neste ensaio autobiográfico que já nasceu clássico, a atriz e escritora argentina Camila Sosa Villada resgata memórias primordiais de sua infância em Córdoba para refletir sobre literatura, escrita, família, pobreza e a relação entre elas. Num exercício de autoinvestigação franco e poético, em que sensibilidade e consciência social se combinam, a escritora reconhece na criação literária um gesto de resistência e autopreservação. "Eu digo: primeiro a escrita, depois a tristeza. E é uma vitória sobre esse desígnio da minha família que nunca aceitou sua pobreza: primeiro eu soube escrever e depois aprendi a ficar triste."
Ao retraçar as origens da própria literatura, Sosa Villada descobre nela a presença incontornável de seus pais, que lhe presentearam com os saberes das letras, muito antes de seus caminhos se afastarem: "Meu pai me ensinou a escrever, e minha mãe, a ler. Eles me levaram para a borda de uma floresta e me deixaram ali sozinha, esperando que eu entrasse e me perdesse para sempre."
Pródiga em frases antológicas e definições inesquecíveis sobre literatura (entre elas, "um animal muito difícil de ser caçado", e "a travesti é a irmã da escrita nessa viagem de renúncia"), a escritora também dialoga com todos aqueles para quem a leitura é um ato essencial, ainda que terrível; aqueles que, como ela, conhecem o "poder do prazer da solidão" proporcionado pelos livros, seu primeiro refúgio contra a pobreza de sua infância, a tristeza da mãe, a violência do pai.
Guiada pelas leituras de Marguerite Duras, Wislawa Szymborska e Carson McCullers, cujas palavras reverberaram e permanecem nela para sempre, Sosa Villada encontra as próprias, "tão alcoólatras" quanto seu pai, "tão desamparadas e insaciáveis" quanto sua mãe, fazendo da escrita um ato necessário e urgente, inato e fatal, na medida que pode dar vazão às histórias que anseiam por ser contadas.