A distante Macau do início do século XX é o cenário de um romance que vai abalar as estruturas da conservadora cultura local. A paixão avassaladora entre um jovem de origem portuguesa e uma moça chinesa trará à tona os preconceitos, conflitos e contrastes existentes entre essas duas culturas que se estranham desde o início do século XVI.A história se desenvolve em A trança feiticeira, um lançamento da Gryphus Editora.O livro é o terceiro romance do prestigiado escritor macaense Henrique de Senna Fernandes lançado no Brasil pela editora e faz parte da Coleção Identidades – nossa língua é maior que o Brasil, que traz para os leitores brasileiros a literatura produzida em países de língua portuguesa.
Neste enclave português na China, vive o jovem Adozindo, herdeiro de uma das mais prósperas famílias locais e mimado por uma família constituída em sua maioria por figuras femininas como a mãe, a avó, as tias e a prima Catarina.Em Macau, os colonizadores ainda gozam de todos os direitos e confortos, em detrimento da população chinesa, relegada à pobreza e ao trabalho pesado.Adozindo, portanto, goza da condição privilegiada, potencializada pela sua extraordinária beleza, o que lhe garante mulheres com facilidade e um comportamento irresponsável e arrogante em relação ao sexo feminino.
Na mesma cidade, mas no bairro pobre de Cheok Chai Un – considerado "violento" pela elite macaense -, vive A-Leng, menina que trabalha como aguadeira, transportando baldes e baldes do líquido precioso, ou "batendo água", como se diz na língua local.Órfã, foi criada por uma avó que não considera sua avó e encontra refúgio nos conselhos da sábia Abelha-Rainha, guardiã e patroa.
Adozindo e A-Leng terão um primeiro encontro nada romântico: o rapaz corta caminho pelo bairro da moça e, fascinado pela trança dos cabelos – de um negro profundo – da bela aguadeira, faz-lhe a corte, no que é prontamente repudiado.Uma atitude totalmente inesperada em se tratando do Belo Adozindo, a quem nada lhe fora recusado até então.O incidente intriga não só o moço, mas A-Leng, que não esquece do rapaz.
A partir de então, numa sucessão de encontros iniciais pouco amistosos e coincidências que os aproximam, Adozindo e A-Leng se apaixonam e formam um casal.Ao assumirem tal condição, ambos são discriminados pelos seus.Para Adozindo, principalmente, isto significa perder privilégios e a proteção da família.O pai, que já lhe tinha uma pretendente em vista - a autoritária e rica viúva Lucrécia -, o expulsa de casa.Sem nada, além de si mesmo e do apoio de A-Leng, Adozindo precisa encontrar forças para superar todas as dificuldades, num processo de amadurecimento que só fortalecerá sua relação com a mulher.
A trança feiticeira tem referências autobiográficas.O autor, também orgulho de uma família tradicional macaense, amou e casou-se com uma bela mulher chinesa, desafiado as convenções desta cidade pequena e conservadora, que voltou definitivamente às mãos dos chineses em 1999.Suas obras são um retrato da sociedade local e também podem ser encontradas nos romances Amor e dedinhos de pé e Nam Van – Contos de Macau, ambos lançados no Brasil pela Gryphus.
Temperados pelas agruras do racismo, a paixão juvenil dos dois amantes condenados e a intolerância que os faz sofrer, o romance se desenvolve numa narrativa primorosa, poética, delicada e irreverente, numa belíssima história de amor e superação.