Nós, alunos, formávamos o corpo de baile do teatro. Quando vinha a Ópera de Buenos Aires e aqui se apresentava antes de seguir para o Rio e São Paulo, nós fazíamos o balé. Participei quando foi apresentado o Rigoletto, a confiar em minhas lembranças, na noite de gala em que se festejava o centenário do Theatro São Pedro. Fui uma zingarelle, em La Traviata, ópera em que também dançamos de improviso como pessoas do povo integrantes de um carnaval. As vestes que usávamos acompanhavam a tournée. Em cada cidade, os bailarinos as experimentavam e uma costureira, funcionária da Ópera de Buenos Aires, fazia os ajustes necessários. Meus colegas tinham nojo, reclamavam de estar usando vestes muitas vezes mal lavadas, com resquícios de suor. Eu adorava usar a roupa dos outros. Me emocionava ao imaginar que uma vez, em Paris, alguém dançara com aquele traje. E teria sentido o mesmo arrepio ao ouvir os primeiros acordes da orquestra. Seu coração se descontrolara como o meu. E depois se acalmou, se entregou à encenação e viveu a personagem. Era como se o talento e a sensibilidade de outros artistas se derramassem em mim através da veste. Eu me enchia de confiança.