"À utopia da gramática – quer dizer, a uma concepção da linguagem que ignora todo lugar, geográfico ou histórico, norte e sul, antiguidade e modernidade, em sua vontade de universalidade – a linguística de Rousseau opõe uma topologia que procura sobretudo as diferenças de lugar, no espaço e no tempo, mas também no interior de uma mesma sociedade [...]. À lógica que atravessa a linguagem em direção à universalidade do entendimento, Rousseau opõe uma espécie de estilística que enquadra a verdade da linguagem no sistema das diferenças locais e históricas, num pluralismo de linguagens qualitativamente diferentes." Rousseau expressa seu pensamento de modos diversos, adequando o estilo a leitores específicos: vai das ciências à autobiografia, passando pela filosofia e pelo direito, com lugar ainda para o romance, o teatro e a música. Tal multiplicidade, alguns alegam, sinaliza incoerência. A unidade de sua obra é, nesse sentido, um problema de primeira importância para os comentadores sistemáticos. O exame da recepção dos escritos de Rousseau constitui o pano de fundo perante o qual Bento Prado Júnior apresenta sua tese sobre os auditórios: a unidade do pensamento – ou da teoria – infere-se da tipologia dos sujeitos discursivos, quer no interior da própria obra (seja esta coerente ou não), quer na trama entre o autor e seu público.