Um livro forte, tenso. A morbidez, a melancolia, o pessimismo, a tragédia pessoal e os conflitos do personagem central - Poeta-dentista, que depois passa a ser tratado apenas como Poeta - chegam a ser contagiantes. Um verdadeiro soco no estomago, como Kafka dizia que um livro tinha que ser, cutucando fundo na alma, remexendo nos abismos do espírito. Um exemplo singular desta arte de contar uma história e ao mesmo tempo um manifesto cru e pungente sobre o complexo mundo do poeta como um todo, revelando-nos sua natureza, seu caráter, sua intimidade, suas desilusões, seus sentimentos, seus delírios; febris, belos, amargos ou sórdidos. Enfim, o sofrimento perturbador que habita o âmago de todo ser humano. É possível que o leitor, muitas vezes durante a leitura feche o livro para refletir um pouco, retornando à leitura novamente, pois o livro nos obriga a sondar os labirintos mais recônditos da nossa existência. Duvida-se muito que alguém não saia de A Passagem dos Cometas com a base de si mesmo um pouco (ou muito) abalada; que o enredo não balance suas estruturas, seja a quem for. Não será nenhuma surpresa caso o leitor sinta alguma aflição pelo Poeta-dentista, que tem sua alma desnudada e esmiuçada pelo autor, numa extenuante análise psicológica. O livro é permeado de diálogos sensacionais. Longas discussões, às vezes ásperas, graves, teóricas. Outras vezes agradáveis e divertidas. Há muita descontração por parte do Editor, um personagem irreverente e admirador confesso do amigo Poeta-dentista (aquele que vive dividido entre poesias e dentes). Sendo que a partir da página 117 o autor passa a tratá-lo apenas como Poeta, quando o leitor passará a considerar (e admitir) que seja mais Poeta que dentista, com sua extrema veneração pelos poetas, ardorosa paixão que fica explícita do início ao fim do livro. Discutem tabus, preconceitos, teorias, comportamento humano, focando no existencialismo, destacando a importância filosófica da existência individual, segundo a qual o homem é livre e responsável por seu destino, sem nunca fugir do tema principal: os Poetas e a Poesia. Apesar de o enredo nos causar um certo incômodo por conta da dramaticidade, temas de profunda complexidade, como a loucura, morte, suicídio, etc., o final é extremamente significativo, e inevitável, uma vez que sua sobrevivência (o Poeta-dentista, com todos os seus conflitos) seria absurdamente inútil, não tivesse sido necessário o suicídio filosófico, sutilmente sugerido do início ao fim do livro. O livro é um mergulho no mundo da psicologia e da dramaticidade humana, repleto de reflexões filosóficas e psicológicas que se entrelaçam nos diálogos dos personagens. Além disso, sua leitura proporciona entretenimento, informação e, sobretudo conhecimento. O livro pode ser relacionado com romances psicológicos clássicos, tais como: Dom Casmurro e Crime e Castigo, Machado de Assis e Dostoiévski, respectivamente, por sua originalidade, expressão simbólica do drama humano, análise de diferentes aspectos da vida interior no que tange aos poetas e pelo pendor introspectivo, induzindo-nos a profundas reflexões. Muitos apreciam leituras que apontam referências e este livro é pródigo em esmiuçar a relação entre determinados concei-tos. Há algumas pitadas de erotismo e piadas picantes contadas pelo Editor, personagem polêmico, brincalhão e debochado. Tal recurso estilístico tem um propósito: desanuviar a aura nebulosa e severa que permeia o texto, ao tratar de um assunto tão pavoroso como suicídio e morte. Uma realidade da qual não podemos fugir nem ignorar. Mas o prezado leitor há de convir que isso seja inevitável. Um mal necessário. Uma ponta de punhal a fazer uma incisão, ainda que dolorosa, até atingir sua alma. Chocalhando-o, re-mexendo em suas entranhas, fazendo-o sentir, refletir, se emocionar, chorar, espernear... Remover a capa invisível da indiferença que o esconde.