Michael Stivelman é um homem realizado. Em todo os sentidos: no plano pessoal e profissional mas, sobretudo, no plano humano. A certa altura da vida, olhando a estrada percorrida, ele se sentiu obrigado a dar o testemunho do que viveu e presenciou. Um testemunho pungente, comum a toda uma geração de judeus da Europa oriental que enfrentou o dramático desafio do holocausto.
Era jovem então. Teria direito a todas as ilusões da mocidade – como qualquer jovem de qualquer época. O horror da guerra interrompeu sonhos e esperanças. Dizer que sua terra natal – a Romênia – foi um campo de batalha não é metáfora. Foi uma cruel realidade, mais estúpida do que a própria guerra, marcada pela violência de russos e de alemães, que alternadamente espalharam o terror nas cidades e nos campos, dizimando famílias inteiras.
Nest e livro, Stivelman nos dá conta dessa brutalidade. Discriminados duplamente, por serem judeus e romenos, os Stivelman viveram êxodo particular através de planícies geladas, sofrendo toda a espécie de injustiças e privações. Andando de um lado para o outro, ora sob o tacão das botas nazistas, ora sob a mira das armas dos fascistas romenos, eles não podiam compreendar o que estava se passando com eles mesmos e com seus irmãos de origem e de destino.
Um dia, o pai foi chamado pelos responsáveis daquela marcha adsurda. Aparentemente, para fazer algum serviço pesado. Nunca mais retornou. Traído por Alex, seu maior amigo de sua infância, Michael assumiu a responsabilidade de proteger sua mãe, alquebrada pela doença e pelo desespero.
Temos, assim, uma história cheia de lances comovedores, em que a bestialidade da guerra não conseguiu apagar a solidariedade que aquece e vivifica o coração do homem.
São muitas as cenas que ficarão na memória dos leitores. Há momentos em que a situação parece definitivamente perdida. Não é lugar aqui para prejudicar a leitura do livro revelando todas as dificuldades, todos os momentos de tensão, todos os instantes em que, quando tudo parecia acabado, sempre surgia a luz, a esperança e, em alguns casos, como o de Alex, até mesmo o perdão.
Acredito que o depoimento de Michael Stivelman, entre tantos outros que já li e me perturbaram, foi o que mais me emocionou. Isso se deve, certamente, à sensibilidade que marca a visão que ele tem de sua própria vida. Apesar do tema e da óbvia intenção de acusar (e condenar) a intransigência do preconceito e do racismo e a miséria da guerra, seu livro está cheio de amor e compreensão pelo ser humano que foi criado pelo Senhor em estado de inocência.
Ao mesmo tempo em que conta a saga que viveu ao lado de sua mãe doente, Stivelman insere valiosas pontuações históricas e geográficas para dar aos leitores o background da região e da época que serviram de cenário ao drama.
Finalmente, resulta a vitória de um homem que tinha tudo para despresar a humanidade, tinha tudo para ser um derrotado. Nem a guerra, nem o ódio, nem as dificuldades iniciais que cercam a adaptação de um emigrante em terra estranha, nada o abateu. Hoje, Michael Stivelman é cidadão brasileiro, tem dois filhos brasileiros, é um empresário conhecido e reconhecido.
Seu livro revela a trajetória típica do homem deste século. Revela também um momento de grandeza humana que serve de advetência e lição para todos nós."