Nas décadas de 1950 e 1960, a cantora brasileira Leny Eversong se tornou um fenômeno: foram mais de 700 shows entre cidades como Los Angeles, Nova York, Las Vegas, Paris e grandes capitais das Américas Central e do Sul. Na TV dos EUA, chegou a dividir uma noite do programa Ed Sullivan Show com o, então, jovem astro Elvis Presley. Aqui no Brasil, com mais de 15 discos lançados, atuou em filmes, festivais, novela, teatro e rádio – chegando a ter um programa próprio de televisão (Quadra de Sete, na TV Record, em 1966). E, apesar desse alcance de sua música, é previsível a resposta para a pergunta: quem, hoje, já ouviu ao menos falar de Leny Eversong?
O livro de Rodrigo Faour dá conta de apresentar esse completo e surpreendente apagamento da cantora nascida na cidade de Santos (SP) da memória do país. À medida em que apresenta sua trajetória por gravadoras, emissoras e palcos, Faour busca hipóteses a esse total esquecimento de Leny Eversong. Para ele, Leny, que mantinha repertório com músicas predominantemente em inglês, francês e espanhol, foi alvo de um sentimento nacionalista do período, que marcava o gosto e a crítica musical. Por outro lado, e como maior linha de força do livro, Faour aponta que Leny Eversong nunca se enquadrou nos padrões de beleza e sensualidade imposto a artistas do sexo feminino. Era uma mulher gorda e de voz que alcançava escalas que iam de mezzo soprano até a voz masculina de barítono. Além de inúmeras entrevistas com artistas contemporâneos de Leny, o livro reúne vasto material fotográfico e fac-símiles de matérias publicadas na imprensa da época. Grande parte do acervo pertencia à própria Leny Eversong e foi doado ao autor pelo filho da cantora, um dos entrevistados no livro. A obra traz ainda, na parte final, entrevistas com cantoras que sofreram resistências em suas carreiras por parecerem, igualmente, fora dos padrões de beleza, como Fafá de Belém e MC Carol. Bem resumido: um livro sobre a trajetória da cantora Leny Eversong e o modo como sua recente e rica história, de modo inacreditável, terminou apagada.
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Se você nunca ouviu falar de Leny Eversong, meus pêsames. E, ao mesmo tempo, meus parabéns. Pelas próximas 284 páginas, você será apresentado à biografia de uma tremenda cantora brasileira – uma das poucas que, nos anos 1950 e 1960, estouraram de verdade no mercado mais duro do mundo: o americano – e mergulhará numa história artística e humana que o fará rir e chorar.
A paulista Leny Eversong, capaz de cantar em todos os gêneros musicais, estilos e línguas, foi um fenômeno internacional. Foi também vítima de um nacionalismo hipócrita (por cantar sobretudo em inglês) e de uma massacrante gordofobia. Leny venceu tudo e todos – mas perdeu para o preconceito contra os artistas do mercado, aqueles que se consagram pelo rádio e pela TV.
Rodrigo Faour, autor deste A incrível história de Leny Eversong ou A cantora que o Brasil esqueceu, é o maior pesquisador da música realmente popular brasileira. Seu universo é o dos cantores que, como Cauby Peixoto e Angela Maria (dois de seus outros biografados) – e agora Leny Eversong –, foram ignorados pelos esnobes e tiveram de se contentar com o amor e a admiração de todo um povo. RUY CASTRO