No ano 361, o cristianismo completara meio século como religião oficial do Império Romano. Quatro imperadores cristãos já haviam governado em sequência. Embora profundamente dividida por debates esotéricos, ainda em busca de fixar sua doutrina oficial, a Igreja predominava sem contestação relevante nos centros do poder. As religiões antigas perduravam nos campos, mas a grande maioria dos habitantes das cidades do Império já se dizia cristã.
Nesse contexto, ascende ao trono um jovem imperador que decide restaurar a civilização helênica e o culto aos seus múltiplos deuses. Embora educado no cristianismo, conhece a fundo o helenismo, pela influência de mestres, por sucessivas viagens, pelo estudo dos neoplatônicos e por outras leituras. Dotado de espírito forte e reto, considera que seu dever é propiciar o retorno ao passado e impedir a consolidação de uma religião que, segundo ele, estava destruindo uma gloriosa civilização.
Era Flávio Cláudio Juliano, que entrou para a história como Juliano, o Apóstata, pois a Igreja cristã, que ele combateu sem perseguições, tornou seu nome odioso. Sua vida pública durou somente oito anos, entre 355, quando conduziu uma grande campanha contra as invasões germânicas na Gália, e 363, quando foi mortalmente atingido por uma lança em um combate com os persas.
Ao assumir o trono, ele encontrou uma corrupção generalizada no Império cristão e uma Igreja dilacerada pelo conflito de facções. A disputa metafísica em torno de dogmas filosóficos já substituíra o cristianismo simples do Sermão da Montanha, que, na origem, se resumia a normas de conduta e à crença em algumas promessas reveladas por Cristo.
A tentativa de salvar o grande Império decadente por meio da refundação do paganismo helênico soa estranha para nós. Mas foi um momento decisivo na história do Ocidente, pois esteve em xeque a adoção do monoteísmo cristão pelo Império Romano, uma guinada não só teológica, mas, antes de tudo, política, que determinou parte importante da história do mundo em que vivemos.
Juliano perdeu. As religiões de culto, durante milênios vinculadas a sociedades específicas, acabaram derrotadas, cedendo lugar a uma “religião do livro” dotada de aspiração universal. O jovem imperador passou pelo trono como um meteoro luminoso que, mal começou a brilhar, se apagou. Não teve tempo de deixar uma marca duradoura de sua ação nos fatos e nas coisas. Permaneceram apenas seu ideal utópico, seus textos e os testemunhos dos contemporâneos, em larga medida recuperados pelo historiador Gaetano Negri neste belo ensaio biográfico.
César Benjamin"