A abordagem desenvolvida neste livro é pautada por uma teoria crítica que permite ao(à) leitor(a) pensar no absoluto que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado evoca pelo simples valor e arranjo de suas palavras. Tal como o princípio é nomeado, fácil é elevá-lo como dogma, pois, à primeira vista, é incontestável: Como em uma sociedade, dita democrática, o interesse público de alguma forma não será superior ao interesse privado?
Essa plenitude, conquanto seja aparente, esbarra nas questões que do mesmo modo parecem plenas e que alçam-no a um axioma, como democracia, cidadania e justiça. Temas estes que fazem parte de nossa incursão dialética.
Porém, longe de buscar uma sobreposição de interesse (público x privado) ou encampar ideias neoliberais - muito pelo contrário-, o que se pretende é demonstrar como o "absoluto" desse princípio pode transformar seus usos em um mecanismo legitimador, no campo ideológico e prático, do abuso de poder pelo Estado em detrimento daqueles que nunca participaram nem gozaram dos privilégios que o poder historicamente mantém.
Então, desmistificar este construto é o caminho para desautorizar a aplicação indiscriminada do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, em atos executivos e judiciais, como uma "cláusula aberta" aos (ab)usos da concreta ação ou inação do Estado.
O recorte deste estudo tem como referência a sobrepujança da potestade do Estado em face do/a cidadão/ã precário/a - aquele/a ser humano não "reconhecido" como sujeito de direito - e cuja "condição precária", ao invés de ser tutelada pelo Estado, é, paradoxalmente, agravada. Isto porque este cidadão/ã precário/a está deveras posicionado em um lugar reverso, fora do raio de abrangência do "interesse público".
A discussão se afasta de uma fundamentação jurídica, por entender que o Direito nada mais é que um discurso de poder. Assim, o embasamento das ideias trazidas está calcado em estudos sociológicos, filosóficos, antropológicos e etnográficos. Entretanto, não há nesta obra qualquer pretensão de trazer nova definição ao princípio, mas, sim, despertar o/a leitor/a para uma visão crítica, sob uma perspectiva que o Poder não abarca, a do cidadão/ã precário/o.