As ruas são de um imenso concreto cinza. O ônibus que passa, desde que a prefeitura do Rio mandou pintar todos da mesma cor, é cinza. O olhar baço da moça morena, sentada no caixa do supermercado, é cinza. As páginas de jornal são cinzentas, nuvens cinzentas encobrem o céu.
Giulia Ramos avisa: seu livro está pronto.
Rolo, ávida e curiosa, a tela do computador. Da plataforma 1 a 45, pego carona no bote que deixa o cais e embarco no texto-vertigem, jovem e fresco, da moça bonita que conheço desde que mal sabia escrever. Há quanto tempo não leio poesia?
Acompanho o seu namoro com o sol e o flerte com a escuridão da noite.
Quase sinto a dor pungente adolescente e a força adulta de cada recomeço. Giulia tem o seu sol particular e sabe redefinir o futuro com as palavras certas. Onde estava que não ouvia mais o som de um texto, nem fazia dele o meu mantra? Como se vive tanto tempo sem poesia? Leio de um fôlego, no compasso que ela dita à bailarina. Lembro, com uma saudade que dá até falta de ar, de quando me apresentaram Ana C. De tantos anos atrás. Giulia também sabe que é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço.
Termino com a certeza de ser, desde já, uma humilde admiradora da poeta que nasce aqui. Levanto os olhos para uma explosão de cores com que suas mãos gentis pintaram o meu dia.
Berenice Seara"