Um Mundo Dividido é um clássico da antropologia brasileira. Escrito no final dos anos 1960 e publicado em 1976, o livro trata dos Apinayé. Povo indígena de língua Jê, que havia despertado o interesse etnológico por conta de seu intricado sistema de metades, que parecia diferente de todos os tipos sociais conhecidos pela antropologia da época.
Com fina sensibilidade etnográfica DaMatta resolveu o enigma, fornecendo a descrição correta da estrutura Apinayé, mostrando que a suposta excepcionalidade era resultado de um mal entendido etnográfico. Além disso revelou o fascinante dualismo Apinayé, abrindo caminho para uma renovação conceitual na antropologia brasileira. Rompeu com a visão das sociedades indígenas como estruturas sociais fixas ou indiferenciadas, e chamou atenção para o dinamismo sociopolítico e a complexidade dos Apinayé. Percebeu também uma tensão entre vetores hierárquicos e vetores igualitários no interior de uma sociedade indígena, contribuição inestimável e insight antropológico fundamental.
Mas a relevância de Um Mundo Dividido não está apenas na compreensão dos povos indígenas, ela se conecta às reflexões de DaMatta sobre o Brasil. Pois assim como os Apinayé, a cultura brasileira também apresenta uma ideologia dividida, como tão bem analisou o autor em outros livros. Talvez não seja exagero dizer que DaMatta viu o Brasil pelos índios, e viu os índios pelo Brasil.
Apesar das décadas que separam esta nova edição da primeira, o livro permanece atual, recendendo vigor antropológico e atestando a profícua imaginação sociológica de seu autor. Um livro cujo interesse ultrapassa o campo da antropologia e atinge diferentes leitores, e seguramente os próprios Apinayé que nele se reconhecerão, imagino, bem representados.
Tudo isso, e um pouco mais que não foi possível dizer, mas que os leitores descobrirão, faz de Um Mundo Dividido um clássico.
– CESAR GORDON