...outra recordação trazida da infância é a amizade que eu cultivava com dois irmãos de idades próximas à minha, nascidos numa família muito pobre. Jogávamos bola na rua como loucos incansáveis, de dia, de tarde, às vezes até de noite. Como se apenas uma bola de borracha pudesse esvair ao menos parte de toda aquela energia que abundava em nossos corpos. Moravam nas redondezas, em um porão alugado, um cubículo lúgubre, inóspito, cujas paredes escurecidas e tomadas pela umidade produziam cheiro acetoso. Quase nada havia de móveis no pequerrucho cômodo que compartilhavam; os pouquíssimos eletrodomésticos existentes na cozinha improvisada estavam em péssimo estado, velhos e enferrujados. Fomos amigos durante muitos anos e crescer vendo-os expostos a tantas privações – bem como a seus pais, pessoas sofridas, simplórias, humildes, mas que apesar de tudo jamais deixaram de ser gentis e acolhedores – era causa de tristeza e constrangimento.