"Desculpe, não estou mais ouvindo, a distância é grande, minha 'aura' está acabando e o esforço desta comunicação é tão sobre-humano que mal tenho força de assinar", lamentava a jovem Clarice Lispector ao escritor Lúcio Cardoso, num bilhete curto, o silêncio do amigo e leitor cuidadoso de seus primeiros textos.
Como revirar a velha caixa de cartas, a recente publicação de Correspondências, de Clarice Lispector, traz à tona os enfrentamentos cotidianos da autora, expostos em 129 cartas trocadas com outros escritores, artistas, intelectuais e familiares, sendo 70 cartas de autoria de Clarice e 59 recebidas por ela. A coletânea — idealizada pela família de Clarice e organizada por Teresa Montero, também autora de uma biografia da escritora — reúne cartas, inéditas em sua maior parte, que permitem a compreensão da produção literária da escritora, assim como um encontro com sua intimidade.
Correspondências cobre quatro décadas da vida de Clarice Lispector, da década de 1940 até pouco antes da sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro, em dezembro de 1977. Entre seus correspondentes estão o marido, Maury Gurgel Valente, os amigos Bluma Wainer e Fernando Sabino, com quem manteve uma rica e frutuosa correspôndência, até trocas mais pontuais, como as de Manuel Bandeira e Fernanda Montenegro.
Há também cartas que tratam de seu trabalho como romancista e contista, a negociação com editoras e, sobretudo, a necessidade de interlocução expressa por Clarice e o retorno encorajador e maravilhado dos autores e amigos com quem conviveu. As angústias, as descobertas, a relação com os filhos e as amizades, vividas e registradas no Brasil e no exterior, estão presentes nesta coletânea, que permite ao leitor mergulhar no mundo de Clarice Lispector e perceber que o segredo do mito foi o de ser tão humano quanto qualquer um de nós.