A verdadeira performance é aquela da nossa espécie na Terra: o modo como provocamos sofrimento nos outros, o modo como aquecemos a atmosfera ou causamos o desaparecimento de outras espécies. Eu me cubro de nuvens para sentir o que a Terra sente. Conheci Cecilia Vicuña em 2004, quando performamos durante o lançamento da revista estadunidense Rattapallax, cuja edição publicava a antologia "Cities of Chance: an Anthology of New Poetry from Brazil and the United States", que reuniu dezenas de poetas brasileiros e norte-americanos. O Teatro Paiol estava lotado e, após ter me apresentado, sentei-me na primeira fila para ver aquela poeta chilena-novaiorquina, com traços indígenas, que já havia lido em revistas. Cecília Vicuña iniciou a ação entoando um canto indígena, vocalizado de improviso, enquanto manuseava um pequeno galho de araucária, evocando, assim, os povos originários da Curitiba ancestral – Coré-Etuba. Fiquei extasiado com a sua performance, pois percebi que estava presenciando o que lera sobre o conceito "Precário", inventado por Cecilia Vicuña e que atravessa o seu trabalho de poeta, artista visual e performer. A poesia de Cecilia Vicuña é um fenômeno que escapa à ideia grega de poema e se aproxima dos ritos indígenas, o que nos provoca o acesso a camadas de sentidos encobertas pelos significados históricos – colonialistas, elitistas e masculinizados – que pesam sobre as palavras. Cecilia Vicuña escava as palavras, desmonta-as e monta-as novamente, transformando-as em partículas sonoras que se abrem para o vigor de outros sentidos. E esta escrita encontra-se também nas suas instalações visuais e performances. Nesta antologia, organizada, selecionada e traduzida por Dirce Waltrick do Amarante, com idas a Nova Iorque para conversas com a autora, percebe-se justamente esta potência. Ao reunir os poemas de vários livros a partir de assuntos ou temas – "Tessituras", "Diário Estúpido", "Canto da Água", "Poemas-atos" e "Sentidos" – Dirce Waltrick do Amarante nos apresenta um recorte zeloso e rigoroso da obra ceciliana. O algo mais desta poesia, insinua-se nestes temas que antes de serem sujeitos de uma linearidade, de uma totalidade pretensamente encerrada em uma obra, em suas linhas de fuga nos propõe pensar e sentir o planeta e a ancestralidade, trazendo os indícios de uma ecopoesia e de uma etnopoesia – conceitos caros à Cecilia Vicuña, que é uma das poetas e artistas fundamentais do mundo contemporâneo. Ricardo Corona